Guerra santa: Papa diz que protestantes não são “igreja”

Novo documento da Igreja Católica, revelado nesta terça-feira (10) pelo Vaticano, reforça a posição de Bento XVI de que protestantes não são “igreja” de verdade. Segundo o texto, os católicos formam a única igreja “plena” – aquela que reuniria todos os re

A declaração foi repudiada por não-católicos. Para especialistas e religiosos, o documento pode afetar o diálogo da Igreja Católica com outras religiões cristãs, embora os católicos afirmem que o compromisso com o ecumenismo continue.


 


O texto, de três parágrafos introdutórios e cinco perguntas e respostas, retoma o polêmico documento Dominus Iesus, de responsabilidade do então cardeal Joseph Ratzinger, divulgado no ano 2000. O novo texto também é obra da Congregação para a Doutrina da Fé – a antiga casa do atual papa no Vaticano e o órgão responsável pela pureza teológica do catolicismo.


 


As perguntas e respostas são assinadas pelo atual prefeito da congregação, o cardeal americano William Levada, e por seu secretário, monsenhor Angelo Amato, e chegam com a aprovação oficial de Bento XVI.


 


Por trás do documento


 


O novo texto tem dois significados. Em primeiro lugar, que a guerra de Bento XVI contra o relativismo continua firme. A divulgação do documento revela uma estratégia fixa do papa para fazer da Igreja a portadora de uma referência religiosa e moral única, como guardiã da herança cristã. De acordo com esse ponto de vista, não se pode igualar todas as religiões cristãs e colocá-las no mesmo saco, sob pena de tirar dos fiéis (em especial os católicos, claro) uma noção clara e sem ambigüidades de qual é o caminho correto a seguir.


 


Em segundo lugar, reafirma-se a idéia de que o catolicismo é o único meio pelo qual se pode alcançar a salvação espiritual com a ajuda da fé em Jesus Cristo. Teologicamente, porém, isso não significa que os outros cristãos, ou mesmo os seguidores de religiões não-cristãs, estão automaticamente excluídos dessa salvação, mesmo que não se convertam ao catolicismo. Difícil de entender?


 


A explicação vem da idéia de “deficiência” ou “defeito” expressa pelo documento Dominus Iesus. A doutrina defendida por Bento XVI considera que os não-católicos teriam mais dificuldade (uma “deficiência” mais branda no caso dos cristãos, mais pesada no dos não-cristãos) para a busca do bem e da verdade que leva à salvação do homem.


 


No entanto, se eles seguirem o caminho correto apesar disso, eles seriam, na prática, “adotados” por Cristo e pela Igreja. Resta saber se esse detalhe teológico será suficiente para evitar as reações entristecidas das igrejas protestantes, como as que se seguiram à publicação de Dominus Iesus no ano 2000.


 


Críticas


 


O pastor da Igreja Presbiteriana Independente Leonildo Silveira Campos, professor de pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo, define o documento como “um passo atrás” no processo de aproximação entre as igrejas.


 


“Esse segundo documento vem causar outro dissabor no relacionamento de evangélicos e católicos”, diz ele, referindo-se ao polêmico Dominus Iesus. “Ele pode ser um tiro nos pés, porque, ao mesmo tempo em que fala de ecumenismo, a Igreja Católica tira a possibilidade desse diálogo ter continuidade.”


 


O protestante Leonildo Campos acrescenta que o novo texto do Vaticano pode dar força a setores mais conservadores das igrejas cristãs que se opõem a um diálogo ecumênico. Para o monsenhor Dario Bevilacqua, o texto do Vaticano não vai afastar o catolicismo das demais religiões porque, no diálogo travado entre elas, cada igreja deve dizer qual a sua visão.


 


O religioso reconhece, entretanto, que o ecumenismo possui momentos difíceis. “O ecumenismo busca a unidade. Nem sempre é fácil de se obter a unidade.” Bevilacqua afirma que o documento deixa claro que a Igreja Católica tem convicção de que é a única plena. Nesse sentido, explica ele, “as outras igrejas não realizam plenamente” a vontade de Jesus Cristo.


 


Diálogos atravancados


 


“Determinada igreja que se põe como hegemonia, como autoridade superior a outras igrejas cristãs, pode atravancar alguns diálogos”, avalia Eulálio Figueira, professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).


 


Para o teólogo, a reafirmação de que a Igreja Católica é a única “plena” não representa, contudo, um retrocesso no ecumenismo liderado por João Paulo II, antecessor de Bento XVI. O especialista diz que o catolicismo determina com quem dialoga. Eulálio Figueira exemplifica recordando que a reunião do atual pontífice com líderes religiosos no Brasil não incluiu representantes do candomblé e neopetencostais.


 


A seu ver, “tem que dar um tempo para ver como o documento vai repercutir, se vai ser olhado como uma provocação do catolicismo. Mas eu não veria como um grande problema. É natural se partir do pressuposto de que as igrejas se firmam trazendo um diferencial em relação às outras”.


 


Para ele, a reafirmação pela Igreja de que o catolicismo é portador de uma referência religiosa e moral única está em linha com o pontificado de Bento XVI. Entretanto, ele critica o documento ao dizer que neste momento há outras questões que poderiam ser discutidas. “A Igreja Católica não precisa mais justificar seus referenciais. Seus 2 mil anos de história já são suficientes.”


 


Da Redação, com informações do G1