Osama Bin Laden me perseguirá para sempre, diz Robert Fisk

Logo na primeira questão da entrevista coletiva na 5ª Flip, o jornalista Robert Fisk, que cobre o Oriente Médio há 30 anos e é correspondente do diário Independent em Beirute, no Líbano, interrompeu um repórter que começou sua pergunta com a fras

O corte seco foi uma amostra do estilo do jornalista inglês, um dos mais respeitados correspondentes do mundo. Fisk esteve em Paraty para participar da mesa “Narrativas de Conflito” e promover dois livros lançados recentemente no Brasil. Em meio às missivas sobre os governos de EUA, Inglaterra e Israel, o primeiro ocidental a entrevistar Osama Bin Laden e único a estar com ele por três vezes contou histórias e mostrou suas opiniões sobre correspondentes de guerra na seguinte entrevista.



O Brasil tem poucos correspondentes de guerra, e usa muito o serviço de agências de notícias, mais ligados a um ponto de vista do que outros. Como fugir disso?
Em primeiro lugar, leia o Independent. Em segundo lugar, há um problema que não é só das agências, mas da mídia em geral, sobretudo a americana: jornalistas têm fascínio pelo poder. Têm o que eu chamo relação osmótica patológica. Já assistiu às coletivas do presidente americano (e como eu odeio aquilo)? É sempre “Mr. President” contra o primeiro nome. Isso mostra como a relação é desequilibrada. Há uma tradição no jornalismo do 50%/50%: tem que se dar o mesmo peso aos dois lados. Só que isso nunca é feito. Eu não acredito nisso. Quando cobri o ataque israelense no Líbano, entrevistei só as vítimas. Não dei voz aos assassinos de Israel. Acho saudável assumir essa posição. Jornalistas também têm o direito de ficar com raiva. Meu editor brinca que o Independent não é um newspaper, mas um viewspaper [trocadilho para dizer que o jornal expõe suas opiniões explicitamente].



O que o senhor acha da cobertura de guerra feita nos Estados Unidos?
A cada três semanas, vou aos EUA e tenho que ler o New York Times. A cobertura de Oriente Médio deles é incompreensível. Nunca há o termo colônia, e sim região, entre outros exemplos. Há toda uma questão de semântica, dos termos escolhidos. E já li artigos dizendo que o Iraque não merece o sacrifício dos americanos. É disso que eles querem se convencer agora.



O senhor foi um dos únicos ocidentais a entrevistar Bin Laden. O que o senhor pode nos contar sobre a entrevista e por que acha que ele lhe deu esse voto de confiança?
(Suspiro) Bin Laden vai me perseguir pelo resto da minha vida… Há muitos anos, estava no Sudão. Nós dois tínhamos um contato em comum, que propôs a entrevista, tanto para saber qual seria a minha reação como a dele. Isso foi muitos anos antes do 11 de setembro [o primeiro encontro dos dois foi em 1993], mas eu já tinha idéia de quem ele era. Fui o primeiro jornalista ocidental com quem ele falou. Ele me recebeu em um campo, e falamos principalmente sobre sua luta contra os soviéticos no Afeganistão, que foi financiada pelos EUA. Ele contou que quase foi atingido por um morteiro, mas, para azar dos americanos, não foi. Após essa entrevista, ele me procurou novamente, acho que porque minhas palavras o representaram bem. Sempre foi ele quem me procurou, eu não pedi as entrevistas. Respondi outras duas vezes, sempre dando de três a cinco semanas de intervalo para a resposta. Na terceira, recusei. Não quero me tornar seu assessor no Ocidente.



Qual a sua opinião sobre os recentes ataques ao Reino Unido?
Os ataques iriam acontecer de qualquer forma e vão continuar acontecendo. Acho que têm mais bombas vindo, e não há muito o que fazer. Acharam aquele carro em Glasgow por acaso. Estou pensando em escrever um artigo chamado “A Conexão”, com o subtítulo “Sim, Sr. Bush, o 11 de setembro teve algo a ver com o Oriente Médio. Sim, Sr. Blair, o ônibus e o metrô que explodiram tiveram a ver com o Iraque”. O ocidente está sempre indo levar democracia e direitos humanos ao Oriente Médio. Os árabes querem direitos humanos, mas antes querem liberdade de nós. E o Oriente Médio não precisa de democracia, e sim de justiça. Fui pesquisar a palavra justiça nos discursos de Bush e Blair e só encontrei uma referência, a operação Justiça Infinita. Há hoje 22 vezes mais tropas ocidentais no Oriente Médio do que durante as cruzadas. Nós temos que sair de lá.



Fonte: Comunique-se