Unegro chama ''Veja'' de racista e defende cotas

O 3º Congresso da União dos Negros pela Igualdade (Unegro) – que acontece na cidade do Rio de Janeiro de 14 a 17 de junho – condenou, neste sábado (16), matéria anticotas raciais publicada recentemente na revista Veja. Segundo participantes a mat

“Por muito tempo a Unegro debateu intensamente as questões políticas e teóricas nas suas propostas. Agora estamos amadurecendo para o entendimento de que é preciso ir além da discussão, é preciso agir com mobilizações de rua, com ações que aglutinem para além do debate”, declarou Olívia Santana, deputada estadual (PCdoB-BA), membro da executiva da Unegro.


 


Entre as ações mais difundidas no encontro está à luta pelas reparações ao povo negro e a necessidade de ações afirmativas para com os desiguais. Impõem-se aí a polêmica que paira sobre os movimentos negros e a sociedade sobre que tipo de reparações e ações afirmativas efetivamente poderiam amenizar a dívida incalculável do Estado brasileiro para com o povo negro.


 


Para o vereador de Belo Horizonte que acompanhou o congresso neste sábado (MG), Paulão (PCdoB), “não há reparação no mundo que pague a dor do povo negro pelas suas riquezas roubadas, seus filhos assassinados, escravizados, sua história de resistência e lágrimas por tudo aquilo que lhe foi arrancado. Não é apenas uma bolsa disso ou daquilo que vai redimir o Estado por tantos e tão hediondos crimes contra a raça humana. Mas se pudermos desenvolver ações afirmativas que busquem elevar a igualdade de direitos entre brancos e negros, com ações como as cotas, que resgatem a belíssima história deste povo em cada sala de aula deste país, aí então estaremos iniciando um processo que poderá, em última instância, devolver a dignidade de milhares de pessoas que hoje sofrem com o preconceito e a mais absoluta exclusão e marginalização social”.


 


''Veja'' na mira


 


A matéria vinculada recentemente na revista Veja que ataca a política de cotas raciais nas universidades públicas através da utilização de descobertas biológicas para afirmar a miscigenação dos brasileiros como anulação do racismo e, portanto, da anulidade do efeito das cotas, foi duramente atacada pela juventude presente no Congresso.


 


“O que vemos é mais um tentativa das classes brancas e dominantes de difundir a ausência do racismo para manter a opressão de raça que impera nas universidades do país”, disse Ângela Guimarães, coordenadora nacional de juventude da Unegro e membro da Direção Nacional da União da Juventude Socialista (UJS).


 


O primeiro debate do congresso, “A construção do povo brasileiro e o desafio político da igualdade na diversidade”, realizado na manhã de sexta-feira (15), buscou abordar a polêmica apresentada pela revista, mas com o olhar da entidade sobre a questão, afirmando a miscigenação não como uma anulação do racismo, mas sim como um traço do processo brutal do escravismo e colonialismo passados que resultou em um aspecto positivo para o conceito de nação.


 


Para a Unegro, a miscigenação não superou o legado de subalternos, as más condições de moradias, educação e saúde, os baixos salários, a violência policial, o extermínio programado da juventude negra, e todos os tipos de dificuldades para alcançar e manter condições mínimas de emprego e reconhecimento social daqueles que trazem na pele a marca da herança africana.


 


Neste sentido, a luta pela reafirmação das cotas raciais como uma forma de ação afirmativa importante como reparação da enorme dívida do Estado para com a população negra é defendida com unhas e dentes por todos os participantes do congresso, dos mais diversos movimentos – ainda que a assimilação ou mesmo concordância com o conceito de nação a partir da formação de um povo miscigenado gere polêmica em uma parte do movimento.


 


Visões do movimento


 


Embora o congresso seja palco importante deste debate, as lideranças da Unegro sabem que ele não é o único e a polêmica deve retornar com força no Congresso de Negros e Negras a se realizar em 2008, data que marcará 20 anos da Unegro.


 


“Há diversas visões dentro do movimento negro sobre a formação do povo brasileiro, a miscigenação, povo único ou mesmo conceito de nação. Vamos atuar para contribuir no sentido de ampliar a luta no combate ao racismo e por mais conquistas concretas no âmbito de ações afirmativas”, declarou Jerônimo Silva Junior, coordenador Unegro-BA e também membro da CN.


 


Se persistir acumulando forças no ritmo em que a entidade tem acumulado é possível que a Unegro influencie outros movimentos importantes no país que tratam à polêmica de forma bastante restrita e em comparação direta a realidades como a que ocorre nos EUA, onde em assunto de preto branco não se mete, vice-versa, e ponto final.


 


Também na manhã deste domingo (17), durante a plenária final do 3º Congresso da entidade, a polêmica pode retornar, já que serão votadas as resoluções da entidade – além de eleição da nova coordenação geral – e este é um dos temas sensíveis no congresso. Porém, o clima até o presente momento indica que o debate tem ocorrido de maneira saudável e valorizando mais os argumentos do que a paixão das palavras.


 


Por Carla Santos,
do Rio de Janeiro