Livro e filme revêem guerrilha rural anterior ao Araguaia

Caparaó vive! Dois lançamentos resgatam a história do movimento que pregou a luta armada, antes do que qualquer outro, para resistir ao regime militar (1964-1985). O livro Caparaó – A Primeira Guerrilha contra a Ditadura, de José Caldas da Costa,

Apesar de seu caráter precursor, a guerrilha é pouco conhecida. Foi ofuscada pela luta armada que lhe sucedeu nas cidades. Ficou mais à margem ainda depois da guerrilha do Araguaia, que, sob o comando do PCdoB, constituiu a mais heróica e prolongada resistência aos militares. Mas Caparaó tem histórias e lições para serem lembradas. Seu objetivo, conforme uma crônica do poeta Carlos Drummond de Andrade para o jornal O Estado de Minas, era recriar, no Brasil, uma Sierra Maestra.


 


Em outras palavras, uma guerrilha que, como a de Fidel Castro em Cuba, partiu de um pequeno grupo bem articulado para a revolução. A preparação veio à tona em agosto de 1966, dois anos após o Golpe de 1964. Não mais de 20 homens, quase todos ex-militares expurgados pelo regime, se instalaram no alto da Serra do Caparaó (divisa do Espírito Santo com Minas Gerais) para um rigoroso treinamento militar.


 


A MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) organizava o levante. Seu criador e líder, o gaúcho Leonel Brizola, estava exilado no Uruguai e recebia patrocínio de Fidel. Tais credenciais, no entanto, foram insuficientes. O movimento padeceu de sua inexperiência para sobreviver no ambiente inóspito escolhido para a ação. Os guerrilheiros não conseguiram arregimentar os desconfiados camponeses de Caparaó – nem mesmo superaram divergências internas.


 


O idealismo dos primeiros instantes progressivamente vacilou. Para reprimir a guerrilha, o regime – que inicialmente negava a existência do movimento – reuniu cerca de 3 mil homens (alguns autores falam em 4 mil) do Exército, da Aeronáutica e das Policias Militares de Minas e do Espírito Santo, numa das maiores operações militares realizadas no país. Na madrugada de 1º de abril de 1967 – terceiro aniversário do golpe militar -, os guerrilheiros foram capturados, numa emboscada organizada pela PM mineira.


 


O livro: relato mais completo


 


A luta desses combatentes estava praticamente esquecida – ausente das principais obras de referência sobre o regime autoritário. Daí a importância de Caparaó – A Primeira Guerrilha contra a Ditadura (Boitempo, 336 págs.). Resultado de quase dez anos de trabalho do jornalista capixaba José Caldas, o livro é o mais completo relato da história.


 


Foram cem horas de entrevista com alguns dos principais envolvidos na guerrilha e em sua repressão – sem contar a pesquisa em arquivos de jornal e documentos. José Caldas narra as motivações dos ex-militares cuja luta contra seus antigos comandantes assume o simbolismo de um embate entre subalternos e chefes. Descreve as articulações internacionais, o envolvimento do governo de Cuba, que treinou parte dos guerrilheiros, e a preparação da resistência.


 


O livro também dá espaço ao dia-a-dia dos combatentes, seus projetos e o que passaram na prisão, onde um deles veio a morrer em circunstâncias misteriosas. Não se trata apenas de fazer justiça à guerrilha. Caparaó acrescenta informações e revela dados que modificam o que se sabia sobre esse levante, ao redescobrir os guerrilheiros 40 anos após a resistência armada. O prefácio é do jornalista e escritor Carlos Heitor Cony.


 


O filme: documentário premiado


 


José Caldas está divulgando seu livro pelo Brasil e também está entre os 20 entrevistados do documentário Caparaó. Das páginas para as telas, a história dos combatentes é contada num filme de 77 minutos que já ostenta boa aceitação. A obra foi agraciada, em sua primeira exibição pública, como melhor longa-metragem brasileiro no Festival É Tudo Verdade 2006. Ao competir no Festival Recine do mesmo ano, recebeu também os prêmios de melhor filme, melhor roteiro e melhor pesquisa


 


A exemplo da obra lançada pela Boitempo, o documentário se apóia numa ampla e cuidadosa apuração. Flavio Frederico – um cineasta com mais experiência em curtas-metragens – foi além das entrevistas. Pesquisou arquivos iconográficos (de jornais, bibliotecas, agências, etc.), colheu filmes inéditas de época e recorreu a praticamente toda a bibliografia da guerrilha.


 


Mas é sobretudo através dos depoimentos que o filme pretende dar novos significados para a tentativa de se fazer uma Sierra Maestra à brasileira. “Podemos entrar na perspectiva destes homens tão diferentes – mas que, por motivos diversos, partiram em uma aventura extrema de revolta contra o Golpe Militar”, diz Flavio Frederico. As motivações dos guerrilheiros, segundo ele, “vão desde a convicção politico-ideologica até a necessidade de sobrevivência ('do coração ao estômago')”.


 


Intercalando entrevistas com ex-guerrilheiros, escritores, jornalistas, policiais militares e todos os envolvidos diretamente com a guerrilha, Caparaó mostra que o sonho era proporcional à precariedade. A MNR passou quase oito meses na serra, treinando e construindo esconderijos para armamentos e provisões. A ordem de ação nunca veio. Quando o grupo foi surpreendido,  restavam apenas sete do grupo inicial, famintos e doentes – alguns  à beira da morte.


 



Cartaz de divulgação do filme Caparaó