Os prós e os contras da ocupação na USP

No dia 3 de maio o DCE convocou uma assembléia de estudantes no anfiteatro da Geografia da FFLCH. O objetivo da discussão era reunir a comunidade universitária para debater os decretos do governo Serra para a educação paulista. Eu, como milhares de est

1º Capítulo: a ocupação


 


Ao chegar na universidade para a primeira aula da manhã de sexta-feira (4) um colega contou-me sobre o que havia acontecido na assembléia do dia anterior. Relatou que cerca de 300 estudantes haviam participado da assembléia que começou para debater os decretos e terminou no gabinete da reitora. Ansiosa por mais informações sobre o ocorrido, procurei as lideranças das entidades estudantis e colegas que haviam participado da atividade.


 


As fontes de informação passaram por independentes, os diretores do Diretório Central dos Estudantes (DCE) – do qual participam a UJS, correntes do PT, MR8 e independentes – e pelo Centro Acadêmico Estudantil de Letras Oswald de Andrade (Cael) – liderado por militantes do PSTU.


 


Para minha surpresa, nada do que aconteceu foi previamente calculado. Meus colegas informaram que como a reitora não havia enviado nenhum representante ao debate, todos saíram do anfiteatro em direção à reitoria para entregar uma carta, redigida às pressas, cobrando uma posição da reitora Suely Vilela sobre os decretos. Como a reitora se encontrava na Espanha (suspeita-se que para fechar convênios da universidade com o banco Santander), os estudantes resolveram ocupar o gabinete da reitora. Apesar da intimidação da guarda universitária – que antes da chegada dos 300 manifestantes já havia se posicionado no local – a ocupação foi relativamente pacífica, tendo quebrado apenas a porta de entrada da reitoria e a porta que dá acesso ao gabinete da reitora. O aspecto de depredação que aparece nos jornais não se deu em função da ocupação, e sim pelas obras realizadas pela universidade no local desde o início deste ano.


 


De imediato, o vice-reitor Franco M. Lajolo chegou ao local. Dizem que, trêmulo, solicitou aos estudantes a pauta de reivindicações. Atônitos, os estudantes solicitaram a Lajolo que voltasse mais tarde, pois era necessário fazer uma assembléia com os ocupantes para definir a pauta de reivindicações da ocupação. Dois ou três militantes rapidamente construíram uma pauta com 13 reivindicações que foi aprovada às pressas pelos estudantes presentes. Começava ali a novela da negociação.


 


2º Capítulo: as negociações


 


Embora o DCE e inúmeros centros acadêmicos tenham participado da ocupação, não havia ainda uma posição oficial das entidades estudantis. Na sexta-feira (4), ao fazer a primeira visita à ocupação, a falta de liderança no movimento já era clara. Para buscar uma foto do que aconteceu no dia anterior tive que me dirigir a cinco estudantes diferentes. Era grande o medo de que a informação sobre a depredação da reitoria, alardeado erroneamente pelos grandes veículos de informação, se propagasse.


 


Vi muitas lideranças do movimento estupefatas com a enorme estrutura à sua frente. Computadores, sofás, café, mesas, cadeiras, todos gozavam do prazer de sentar no trono do poder institucional máximo da universidade, a cadeira da reitora. Muitos também estavam cambaleantes: não é fácil dormir no chão duro, ao som de violão e sabe-se lá o que mais, durante aquilo que para a ampla maioria representava a primeira aventura em uma ocupação.


 


Já no dia seguinte circulavam muitas informações, boatos de todo tipo se propagavam como fábulas pelos corredores das faculdades. Aquela sexta-feira iniciaria um longo processo de negociação entre os estudantes e a reitoria. No meio dos estudantes, muitas perguntas: “Meu, como eleições diretas para reitor não entrou na pauta de reivindicação?”, “Mas de onde propomos vir esse dinheiro para moradias?”, “Por que contratação de professores e não abertura imediata de concurso público?”; enfim, os questionamentos eram muitos, mas a empolgação em estar fazendo algo para mudar a situação da universidade era muito maior.


 


Quando a reitora aportou no Brasil, a maioria das entidades da universidade, do Brasil e até do mundo (o PSTU adora dizer isso!) já apoiavam a ocupação. Uma comissão de negociação com mais de 10 estudantes foi aprovada em assembléia – é claro, assembleísmo é o esporte preferido da turma – e a pauta dos estudantes foi levada à mesa. Depois de idas e vindas, a reitora apresentou uma contraproposta comprometendo-se verbalmente com 7 das 13 reivindicações apresentadas pelos estudantes.


 


Para muitos, ali foi o ponto final da ocupação, afinal era uma conquista razoável arrancar da reitora 7 de 13 pontos previstos na pauta. Já para outros, se iniciava a grande chance de começar o caminho rumo à revolução socialista no Brasil, ou pelo menos quase isso, colocando a sua vida à disposição da tropa de choque para mais tarde, quem sabe, ser um neo-Alexandre Vanucci Leme (estudante da USP assassinado na ditadura de 64).


 


Capítulo 3: A ocupação continua


 


A primeira contra proposta da reitora levou a um realinhamento de posições no movimento estudantil sobre a ocupação. O DCE divulgou nota retirando-se da ocupação. O PSTU e o P-SOL também se retiraram dias depois.


 


A Liga Estratégica Revolucionária (LER) e o Movimento Negação da Negação (MNN) —forças políticas que só existem no mundo pequeno da USP— passaram a insuflar independentes contra partidos políticos. No interior da ocupação, o debate antiparticipação de estudantes ligados a partidos passou a ter quase a mesma importância que o debate sobre os decretos.


 


Ao mesmo tempo, a repercussão sobre a ocupação foi crescendo na imprensa e conseqüentemente na universidade. Funcionários (liderados pelo PSTU) já haviam entrado em greve. Os estudantes então deflagraram a sua greve em assembléia com mais de 2 mil pessoas. Instalou-se um clima pró-greve geral e mobilização no ar. Professores, diante da irredutível permanência de algumas correntes políticas do movimento estudantil na ocupação, passaram a buscar mais diálogo com os estudantes, as assembléias passaram a ser cada vez maiores e nesta quarta (23) também aderiram à greve e ao apoio à ocupação.



 


Capítulo 4: Aonde a ocupação vai parar?


 


Se por um lado a ocupação da reitoria da USP deixou de ter um sentido racional, de conquistas concretas, por outro lado, ela passou a encorajar os mais diversos setores da universidade a se levantarem contra os decretos do governador Serra. A polêmica sobre a autonomia das universidades estaduais paulistas tomou conta dos noticiários. Governo e seus séquitos, os reitores indicados por Serra, passaram a se contradizer nas declarações sobre o tema. No mesmo dia em que o Secretário Estadual de Ensino Superior, Aristodemo Pinotti, afirma publicamente que os recursos da universidade terão que passar pelo crivo do governo, o Conselho de Reitores solta nota publica dizendo o contrário.


 


Desesperado, o governo anunciou a contratação de 1.900 professores para a USP no meio da crise. A reitora já não sabe mais o que oferecer, por mais que tente, não há proposta que convença os estudantes a se retirarem da ocupação. O governo está na defensiva e a comunidade das universidades estaduais paulistas fortemente mobilizada contra seus decretos.


 


Nesta quinta-feira (24), o governo poderá tomar uma medida radical para conter a crise. A tropa de choque já anunciou que não vê a hora de intervir na ocupação e utilizar da violência para desocupar a reitoria. Por outro lado, professores aprovaram nota pública solicitando a continuidade do diálogo e a retirada da polícia das negociações da ocupação.


 


Se optar pela força, Serra estará reforçando a caracterização de um governo repressor que já pesa sobre seu mandato desde a violenta repressão aos protestos contra a visita de Bush, no último dia 8 de março. Se deixar tudo como está, o movimento antidecretos pode crescer ainda mais e talvez se refletir, ainda que momentaneamente, em uma mudança ou outra em seu mandato, já que na política “nada como um dia após o outro”.


 


A sinuca de bico está armada e caberá aos estudantes e à comunidade das universidades estaduais paulistas saber negociar, não mais com a reitora da USP, e sim com o governador Serra sobre saídas para o impasse.


 


*Carla Santos é membro da equipe do Vermelho e estudante de Letras da Universidade de São Paulo (USP)