Memórias do Araguaia

Memórias do Araguaia é uma serie de artigos publicados pelo Dirigente Comunista e Vereador do PCdoB de Belém  Paulo Fonteles Filho,  no Jornal Diário do Pará, este de grande circulação no Norte do Brasil.


 



O Comandante Negro das Matas
 



               
Dissera-me, certa vez, a castigada mulher de pés e mãos endurecidas pelo trabalho sol a sol com a mesma enxada de vários anos que, Osvaldão, havia, há muito, se transformado em lobo. E, mata adentro, uivando, buscava seus companheiros insurretos, esgueirando-se da onda de fogo dos fuzis inimigos.



Osvaldão adormece no fim da pista de pouso onde desciam os búfalos com generais, tropas, torturadores, funcionários das mineradoras e da CIA, em Xambioá. Há muitas lendas de como atuou, nas contendas araguaianas, o Comandante Negro das matas. Acerca de seu desaparecimento em meados de 1974 uma versão ganhou força ao longo dos anos: teria sido um sequaz do Major Curió, Arlindo Piauí?



Há muito, o famigerado Major Curió e seu círculo de pistoleiros fez crer, na região do Araguaia, que seu mais confiável bate-pau seria o responsável pelo tiro algoz em Osvaldão: credencial para a covardia do matador de dezenas de lavradores, na maioria composta por lideranças populares do Baixo – Araguaia .



O certo é que o Comandante Negro, filho da mais proletária de todas as raças lutou até apagar os olhos, com a Parabellum na mão, insubmisso, consciente da mata e dos caminhos da história.



Ocorreu em sua morte o mesmo ritual para quem, em regimes terroristas, defende e aspira a liberdade: o corta-cabeças. Como Tiradentes, ficou exposto por dias sobre a legenda do triunfo dos vencedores.



Tido também por Mineirão, angariou em poucos anos a confiança e a admiração das gentes simples e humildes, da Gameleira à Faveira, de Santa Cruz até Xambioá, de São Geraldo até Apinagés, de São João à São Domingos das Latas.


 


Conheceu as pedras pontiagudas e esverdeadas do Araguaia, garimpou na Serra das Andorinhas e em Porto Franco. Apreciando os minerais na lua metálica foi profundo como a terra silenciosa.
           
Foi respeitado por praticar preços justos.



Mata adentro, procurou desvendar os segredos da floresta, ajudou a fazer partos e de sua boca primeira ecoou a poética do ''Romanceiro da Libertação''.
Educou o povo e pelo povo fora educado, como o personagem de Lautaro, no poema de Neruda. Fez casas e roças. Teceu belas manhãs com estórias do Partido Comunista.



Fez amigos e namoradas. Caçou, amou, exortou a liberdade, foi justiceiro com aqueles que espoliavam o povo. Fez discursos à hora do crepúsculo, ensinou a arte-militar.



Foi político, mariscador, castanheiro e garimpeiro.



Filho fez também; segundo dizem, dois.


Ao pé da Serra evoluiu como vento. Mergulhou nos banzeiros minerais dos Martírios. Dormiu nas redes e se fez povo, povo da mata.



Não matarão Osvaldão porque seu feito decorre do feito de sua gente e de sua época.


 


O povo que lhe deu farinha e esperança, hoje lhe dá a vida nos versos e romances camponeses. A plena vida que o coração do homem ilumina.