Câmbio e banquete especulativo

Por Marcos Antonio Cintra, na Folha de S.Paulo*
As autoridades econômicas brasileiras apostam que a integração do sistema financeiro doméstico aos mercados globais promoverá a convergência da taxa de juros interna aos padrões internacionais. C

Essas mesmas autoridades, no entanto, têm pautado um ritmo muito lento de redução dos juros domésticos, dificultando a convergência das taxas, mesmo diante da queda nas expectativas de inflação. Os investidores, liderados pelos “hedge funds“, montam diferentes operações -arbitragens, contratos a termo de venda de dólar e compra de real (“Non-Deliverable Forward“) e posições nos mercados de derivativos de câmbio da BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros)-, efetuando um agressivo processo especulativo a fim de absorver os altos juros internos e ampliar seus ganhos com a valorização da taxa de câmbio.



Se o diferencial de juros não pode ser reduzido de forma abrupta para não comprometer a meta de inflação, se controles sobre os fluxos de capitais externos não podem ser introduzidos para não prejudicar a formação da curva de juros, outros caminhos podem ser buscados.



Já ficou evidente que a venda de “swaps” reversos na BM&F e a compra de dólares no mercado à vista realizadas pelo BC apenas sancionam as operações dos especuladores, garantindo seus lucros. As duas modalidades de intervenção cambial são favoráveis à especulação, e os investidores ganham nas duas pontas, contra o BC e, no limite, contra o Tesouro. Todo ataque especulativo é uma investida contra os cofres públicos (ou as reservas, no caso de uma desvalorização da moeda).



Além do assalto ao Tesouro, as operações forçam a valorização excessiva do real, com repercussões na estrutura produtiva e no estoque da dívida pública, pois o BC é forçado a esterilizar as compras de dólares por meio de emissões de títulos, dificultando a gestão da política fiscal.



As autoridades econômicas poderiam ao menos conter essas ações mais especulativas. Diferentes economistas têm feito diversas propostas: proibir os investidores estrangeiros de operar com derivativos na BM&F; aumentar as margens nas operações de derivativos, reduzindo a alavancagem; exigir maior capitalização dos bancos nas operações com moeda estrangeira e com derivativos que envolvam moeda estrangeira; tributar os ganhos de capital obtidos por meio de especulação e arbitragem com o real.



Essas decisões não comprometem as estratégias privadas de ganho de capital -investimentos na Bovespa, fusões e aquisições, em imóveis. Tampouco comprometem os objetivos do BC, seja para ampliar as reservas para reduzir os prêmios de riscos dos empréstimos externos tomados pelo setor privado para financiar o investimento produtivo, seja para formar a curva de juros.



São medidas que visam defender os interesses da República, da esfera pública da nação, contendo as investidas ao Tesouro Nacional e, portanto, de uma parte expressiva da renda e da riqueza da imensa maioria da população brasileira que paga impostos e não participa do banquete especulativo. Isso exige tão somente que as autoridades econômicas restaurem o caráter público de seus cargos, salvaguardando os interesses do Tesouro, protegendo os bens públicos da sangria especulativa.



* Doutor em economia pelo IE/Unicamp; fonte: Folha de S.Paulo