A novela política argentina: qual Kirchner será candidato?

O mês de junho será decisivo para as eleições presidenciais na Argentina, marcadas para 28 de outubro. No dia 3, os portenhos vão votar para governador da província de Buenos Aires. Se houver segundo turno, será dia 24. Dependendo da escolha na cidade mai

Um discurso sim, um não, Kirchner lança a dúvida: “O próximo presidente será pingüim ou pingüim-fêmea”, costuma dizer em tom de brincadeira, do alto dos palanques, referindo-se ao animal símbolo da Patagônia, reduto político dele e de sua esposa. O movimento parece distanciar-se da opinião pública. Ele, e não ela, lidera as pesquisas de intenção de voto.



Após quatro anos de governo, Kirchner acumula elevados índices de popularidade e aceitação pelo mérito de ter resgatado a Argentina de sua pior crise. Impulsionado pelo forte crescimento da economia e expressiva queda nas taxas de desemprego e pobreza, nas últimas pesquisas, Kirchner tem pelo menos 50% das intenções de voto, o que garante a reeleição com folga. Cristina aparece com 35% a 45%, dependendo dos adversários, o que indica grande chance de ganhar, porém devendo enfrentar um segundo turno. O lançamento de Cristina seria, portanto, trocar o certo pelo duvidoso.



O que está por trás, então, dessa jogada política?



Há um fato inegável: a imagem do presidente argentino já teve dias melhores. Decisões polêmicas como a intervenção no Indec (instituto oficial de estatísticas) para baixar a inflação artificialmente, o apoio a políticos que acabaram mal nas províncias e uma explosiva crise em Santa Cruz, província que ele governou durante 12 anos antes de assumir a Presidência, tiraram pontos. Circulam boatos, jamais confirmados ou sequer comentados na Casa Rosada, sede do governo, de que Kirchner padeceria de uma doença grave que o impediria de seguir governando.



Plano a longo prazo
Para o diretor do instituto Ipsos, Manuel Mora y Araújo, sociólogo e especialista em pesquisas de opinião, o lançamento de Cristina é parte de um projeto para permanecer no poder pelos próximos doze anos. “Penso que Kirchner analisa que o segundo mandato presidencial vai ser mais difícil que o primeiro. E, como o projeto contempla seguir mais quatro anos, de 2011 a 2015, ele acha que está mais resguardado se alternar agora do que se Cristina o substituísse em 2011”, disse Mora ao Valor.



O papel da senadora na estratégia do casal é no mínimo estranho para quem está pedindo votos. Aos 54 anos, bonita e elegante, Cristina decididamente não faz o gênero popular. Ao contrário de Evita Perón, com quem às vezes é comparada, nunca se mistura ao povo nas ruas. Só aparece na TV ou em fotos tiradas exclusivamente pelos fotógrafos oficiais, visivelmente calculadas, em que ela sempre aparece bem maquiada e iluminada.



Sua campanha, bastante sutil, tem sido feita fora do país. Ela tem se reunido com os principais líderes internacionais, representando o país em compromissos oficiais, sempre ao lado do Ministro das Relações Exteriores, Jorge Taiana. Nesses encontros, nunca declarou que fosse candidata, mas age como se já estivesse eleita. Até já recebeu alguns apoios, por exemplo, do presidente do México, Felipe Calderón.



Muitos dos mais influentes e respeitados analistas políticos argentinos já dão como certa a candidatura de Cristina. Em uma sondagem feita pelo jornal “El Cronista”, economistas e operadores do mercado financeiro revelaram preferir Cristina a Néstor, na suposição de que ela seria mais “pró-mercado” que o marido. O cientista político Marcelo Escolar, co-autor do livro “A Nova Política de Partidos na Argentina”, diz que essa visão tem fundamento, já que a carreira política de Cristina é totalmente independente da do marido, além de ter um perfil mais liberal que o dele. “Ela tem seu próprio capital político”, define Escolar.



A senadora jamais discordou das decisões do presidente em público. Mas os analistas vêem alguns sinais que corroborariam esta impressão de que o governo dela seria diferente do dele. “Há vários meses, Cristina está dando mensagens de moderação”, afirma Mora y Araújo. “Ela viaja ao exterior e não teme visitar Calderón, no México, a Condoleezza Rice, nos EUA, e  [Nicolas] Sarkozy, na França” – todos considerados de direita. “Se ela pensa realmente diferente ou se isso é só uma tática, não sabemos”, afirma o analista que reforça acreditar que ela esteja mais “inclinada a adotar algumas políticas mais moderadas, ortodoxas”.



Mas nem todos pensam assim. Para o cientista político Sergio Berensztein, coordenador do mestrado em Ciência Política da Universidade Torcuato di Tella, Kirchner está apenas tentando “manter as possibilidades em aberto”, à espera de uma definição das eleições na capital, para lançar-se oficialmente à reeleição. O lançamento da senadora seria, na opinião de Berensztein, uma jogada para confundir os adversários. O deputado Esteban José Bullrich, do movimento PRO (oposição), também aposta que o candidato será mesmo o presidente. “Ele pode até dizer que prefere a alternância, mas minha opinião é que ele será o candidato”, afirma Bullrich.



Fonte: Valor Econômico