Para Pinguelli intervenção na natureza tem um preço a pagar

O doutor em Física Luiz Pinguelli Rosa é professor titular da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é coordenador do Programa de Planejamento Energético da COPPE e sec

Considerando o efeito estufa como um fenômeno natural e necessário à existência da vida na Terra, até que ponto podemos culpar o ser humano pela aceleração do aquecimento global?


 


Já está comprovado, pelos estudos que foram compilados pelo IPCC e que formam um consenso possível na comunidade científica, que de fato os efeitos naturais apenas não são suficientes para explicar a evolução da temperatura da Terra e nem da concentração de dióxido de carbono na atmosfera nos últimos 50/100 anos.


 


Neste sentido, entre as atividades humanas, quais são as de maior impacto?


 


O maior impacto é a utilização de energia, de petróleo, de gás natural e carvão mineral, em particular nos países mais ricos do mundo, que têm um consumo per capita altíssimo, mas que se difunde por todos os outros países, cada vez mais. Agora temos o exemplo particular da China, onde tem crescido muito este consumo. No caso do Brasil, o mais grave é o desmatamento, em particular na Amazônia.


 


As pesquisas têm avançado muito em precisão. Até que ponto pode chegar? Dá para apostar em percentual de extinção de espécies e savanização da Amazônia, por exemplo?


 


O que há, no curto prazo, de mais concreto é uma aceleração do degelo. Isso já é observável e, de fato, se atribui ao aquecimento global. As outras coisas são apontadas em longo prazo, entre 50 e 100 anos e, portanto, não há uma verificação imediata. Há outras questões, como fenômenos meteorológicos, mas não é muito claro. Não é verdade que agora, a partir da reunião de Paris, as coisas estejam mais claras. Isso já vem se fazendo há muito tempo. O relatório anterior do IPCC, o terceiro, divulgado em 2001, continha tudo basicamente que o quarto contém. Apenas agora tem mais detalhe e menor incerteza nas previsões. O assunto vem amadurecendo e agora ganhou o domínio da opinião pública.


 


O senhor falou em fenômenos meteorológicos, dá para dizer algo sobre a intensificação da seca no Nordeste do Brasil?


 


No curto prazo é mais difícil. Há uma probabilidade que possa ocorrer também efeitos de curto prazo. Mas, o que se está dando maior concretização está no longo prazo. No Nordeste, um problema grave é a possibilidade de desertificação do semi-árido.


 


Em relação ao degelo, já observável, considerando que grande parte das cidades brasileiras está próxima à costa, as previsões de elevação no nível do mar têm causado certo incômodo. O que pode ser dito com segurança em relação a isto?


 


A previsão do IPCC é da ordem de 60 centímetros neste horizonte, até o fim do Século. Inclusive o Fórum organizou, no Rio de Janeiro, um debate específico sobre soluções de engenharia na cidade, em particular o alargamento das faixas de areia nas praias. O mais difícil está nas regiões de baixada, que ficam abaixo do nível do mar e dependem muito do escoamento da água, principalmente em enchentes, com chuvas fortes, quando a maré está cheia. Isso vai se complicar muito e é mais difícil que o problema propriamente da costa, no nível de 60 centímetros previsto pelo IPCC. Há outros, porém, que falam em níveis maiores.


 


Considerando as interferências locais do ser humano, esses problemas podem se agravar, a exemplo da erosão que temos no litoral oeste do Ceará?


 


Não há nenhuma intervenção na natureza pela qual não se tenha um preço a pagar, daí a necessidade de estudos cuidadosos, que possam orientar intervenções que minimizem esses efeitos. De fato, se você mexe na praia, haverá outros efeitos. O que se pode fazer é com que não sejam muito grandes. Mas o desejável é que o mar não suba esses 60 centímetros previstos e isso vai depender de uma série de políticas que evitem as emissões dos gases geradores de efeito estufa (GEE), que estão continuando e aumentando.


 


Existe algum avanço nas pesquisas que realmente indique o que se pode fazer atualmente para conter o processo de aquecimento do planeta?


 


O que se pode fazer é evitar o aumento desenfreado do consumo de energia no mundo e, no caso do Brasil, reduzir o desmatamento na Amazônia.


 


Falando de Protocolo de Kyoto, dá para dizer que os chefes de Estado têm demonstrado compromisso com a redução na emissão dos gases geradores de efeito estufa?


 


Sim e não. Em alguns casos já há medidas concretas e em outros há muito pouco. Eu acho que o mais grave é o caso dos Estados Unidos, que ficaram fora do Protocolo de Kyoto e têm aumentado muito suas emissões.


 


E o Brasil – mesmo fora das exigências das metas de Kyoto, por estar enquadrado entre os países em desenvolvimento – tem contribuído significativamente para a minimização deste problema?


 


O Brasil tem uma matriz energética que até agora não emite muito. Mas, devido à dificuldade de fazer novas hidrelétricas, por causa dos impactos socioambientais, o Brasil está começando a usar termoelétricas e aumentando as emissões no setor, que eram muito pequenas. Mas o maior problema do Brasil é o desmatamento, que foi reduzido nos últimos dois anos, o que não basta. É preciso reduzir mais, mas já é um passo. Nós temos dado a nossa contribuição com o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), com recursos dos países que estão buscando reduzir suas emissões através destes projetos, ao invés de fazê-lo em seus territórios. O Brasil, a Índia e a China são os três países que mais projetos têm nessa direção.


 


O que o senhor destaca no Plano de Ação Nacional de Enfrentamento das Mudanças Climáticas proposto ao Governo pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas?


 


Há uma série de pontos que estão sendo encaminhados ao governo. Eu destaco, entre eles, metas de redução do desmatamento, que se deseja que o governo estabeleça e, portanto, não foi quantificado pelo Fórum, sendo colocado como uma sugestão para que o governo assuma. Também há questões ligadas à redução do consumo de combustível no transporte, buscando veículos mais eficientes, em particular automóveis; e melhoria do transporte público, para que as pessoas possam abrir mão do uso do automóvel no seu dia-a-dia e busquem o transporte coletivo como alternativa.


 


Como o senhor vê o ´marketing verde´, por parte do empresariado. Acredita em uma preocupação autêntica com a segurança planetária ou apenas num investimento em aparência?


 


Vejo as duas coisas. A empresa tem interesse em vender e, naturalmente, ter a imagem que o consumidor considere amigável. Por outro lado, indiretamente, esse investimento acaba resultando num efeito positivo, se medidas reais forem tomadas por estas empresas para evitar emissões desnecessárias.


 


Alguns pesquisadores consideram a visão catastrófica didática. Outros a têm como perigosa, podendo estimular um imobilismo maior diante do ´inevitável´. Qual a sua postura em relação a isso?


 


É muito importante dizer a verdade e não mais do que a verdade e não dizer a meia verdade. A situação é grave. Mas, dependendo da consciência política e de providências, poderia ser muito atenuada. Muitas vezes falta-se à verdade ou fala-se apenas metade dela, o que acaba confundindo mais a opinião pública.


 


Desconsiderando aqui a responsabilidade governamental, o senhor poderia explicitar o que cada cidadão pode fazer individualmente para dar sua contribuição para a manutenção da qualidade e vida desta e das futuras gerações?


 


Plantar uma árvore (ou muitas); gastar menos energia, desde que esteja num consumo elevado, no caso das classes mais elevadas; pressionar o governo; e tentar fazer com que os políticos e os empresários tomem as providências indispensáveis no nível do poder.


 


 


GLOSSÁRIO


 


Efeito estufa Fenômeno natural onde a atmosfera segura parte do calor refletido pela superfície, mantendo-a com uma temperatura favorável à vida


Aquecimento Global Desregulação do efeito estufa, pela ação do homem, com o aumento na emissão de gases que o intensificam


GEE Os gases do efeito Estufa são seis, pelo Protocolo de Kyoto: dióxido de carbono ou gás carbônico (CO2), óxido nitroso (N2O), metano (CH4), hidrofluorcarbono (HFC), perfluorcarbono (PFC) e hexofluor sufuroso (SF6)


MDL Mecanismo de desenvolvimento limpo é um instrumento de flexibilização, previsto pelo Protocolo de Kyoto, pelo qual cada tonelada de CO2 deixada de ser emitida ou retirada da atmosfera por um país em desenvolvimento pode ser negociada


Protocolo de Kyoto Originado da 3ª Reunião das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Kyoto (Japão), em dezembro de 1997, visa estabilizar a concentração dos GEE na atmosfera por meio de metas de redução na emissão


FONTE Diario do Nordeste