Um ano depois dos ataques do PCC: entidades cobram justiça

No dia 12 de maio de 2006 se iniciava no estado de São Paulo a maior onde de violência contra a polícia que se tem notícia na história do país. Trata-se dos ataques promovidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) que tiveram como alvo a Polícia Militar

Semana mortal


 


As primeiras notícias, na noite de sexta-feira, 12 de maio de 2006, não pareciam tão preocupantes. Algumas rebeliões em presídios, acontecimentos já incorporados à rotina de São Paulo: dois policiais baleados e um ataque a uma base comunitária móvel da Polícia Militar. Na manhã do sábado o cenário já era catastrófico: atentados contra delegacias e postos policiais com diversas mortes; agentes mortos fora de serviço e a “assinatura” da organização criminosa PCC nas ações que, num crescendo incontrolável, deixaram atônita a população da maior cidade do Brasil e se espraiaram, nos dias seguintes, para cidades vizinhas.


 


No domingo, dia 14, já havia rebeliões em 73 penitenciárias e nove cadeias públicas, com 351 reféns. Os mortos, entre policiais civis e militares e criminosos já passavam de 70, e os feridos eram 55.


 


Policiais, jornalistas e a população em geral estranharam que a informação sobre o plano do PCC e a remoção dos presos que, segundo o PCC foi o motivo que os levou aos ataques, não tivesse chegado aos policiais e soldados que, afinal, ficaram expostos aos ataques de surpresa.


 


Repressão e medo


 


A polícia, por sua vez, já estava promovendo sua represália. Entre as madrugadas de domingo e segunda-feira, a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, unidade de frente da Polícia Militar) matou 33 suspeitos de participação nos atentados, apreendeu mais de cem armas e prendeu 115 pessoas suspeitas. Aparentemente, também cometeu injustiças, como a execução de pelo menos três jovens, mortos, segundo testemunhas, por homens com o rosto coberto por toucas de “ninja” que, pelo menos em um caso, desceram de um carro da policia.


 


A segunda-feira, dia 15, revelou uma São Paulo como talvez nunca se tenha visto. Depois de incendiar 60 ônibus, os criminosos obrigaram as empresas a recolher seus carros para as garagens. Agências bancárias foram alvejadas por tiros de armas pesadas e coquetéis molotov. Sem meios de transporte centenas de milhares de trabalhadores passaram a andar pelas avenidas e ao longo das ferrovias, para chegar ao trabalho.


 


No meio da tarde, quando as lojas, escolas, shopping centers, supermercados, bares e restaurantes, bancos e até padarias começaram a fechar as portas, por causa dos boatos, talvez até espalhados pelo próprio PCC, de que haveria um toque de recolher, os trabalhadores cumpriram a jornada de volta. Às seis horas da tarde, o tráfego ao longo das rotas de saída paulistanas estava completamente parado, entupido de carros dos que não queriam enfrentar o anoitecer longe de casa.


 


O reforço da defesa de suas próprias instalações – quartéis, delegacias e postos policiais – tirou todo o policiamento das ruas. Mesmo as viaturas que habitualmente ficam estacionadas em pontos estratégicos, como a praça Panamericana, no aristocrático Alto de Pinheiros, por exemplo, sumiram. Às oito e trinta contavam-se nos dedos os carros que ainda percorriam as ruas. São Paulo foi dormir apavorada.


 


Na manhã de terça-feira, dia 16, o narrador de um dos jornais matutinos da tevê sintetizou, de forma curiosa, o alívio da população: “Embora o congestionamento das ruas de São Paulo ainda seja de apenas dezesseis quilômetros, muito abaixo dos oitenta quilômetros médios deste horário, parece que a cidade, afinal, está voltando ao normal”.


 


Um mês depois


 


Um mês após os primeiros ataques às forças de segurança de São Paulo não se sabiam ao certo quantas pessoas morreram entre os dias 12 e 19 de maio, nem se havia inocentes entre elas.


 


Os números oficiais apontavam que 42 policiais e a agentes de segurança morreram durante a semana de ataques e rebeliões, que atingiram 82 unidades prisionais. Mas não houve consenso entre as autoridades sobre a identidade e o número de suspeitos mortos por policiais durante o período.


 


A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo diz que eram 123 mortos. O Ministério Público Estadual identificou três mortes a mais do que a polícia. Peritos analisaram 492 laudos necroscópicos de todas as pessoas mortas por arma de fogo no Estado no período, não se chegando a uma contagem oficial e definitiva sobre o número de mortos na reação.


 


Justiça


 


Coube às entidades ligadas à defesa dos direitos humanos e às pessoas próximas das vítimas buscarem informações sobre as mortes da semana dos ataques. Com o apoio do Conselho Regional de Medicina de SP (Cremesp) foi possível fazer um balanço das mortes.


 


O estudo realizado pelas entidades e o Cremesp revelou que abusos e excessos foram cometidos pela polícia durante a repressão às ações do PCC. Desde lá as entidades vêem lutando por justiça. Porém, até o momento, nenhum caso relativo aos apontados foi investigado.


 


Para continuar pressionando as autoridades e lembrar as vítimas de maio, as entidades realizaram um ato público nesta quinta-feira (10) intitulado ''Tragédia de Maio: um ano depois, pela passagem da semana (12 a 19 de maio) de ataques públicos em São Paulo''. No ato um balanço atualizado das apurações dos excessos policiais indicados pelo Cremesp, após estudo dos laudos do Instituto Médico Legal (IML) sobre os ataques de maio, foi divulgado.


 


''Um ano após os ataques e as mortes e nenhuma denúncia foi investigada. Até mesmo números oficiais de mortes não foram divulgados. Nosso grito é por justiça, nossa denúncia tem nome, lugar, história e é feita de carne e osso'', disse o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos.


 


As entidades, que conquistaram a demissão do então secretário da Segurança Pública da gestão do governador Lembo (PSDB), Saulo de Castro Abreu Filho,  querem mais do que troca de pessoas no cargo. Elas exigem a divulgação da lista completa dos mortos e a imediata apuração dos casos denunciados no balaço por elas divulgado.