A quem representa este papa?

A secretaria de Politicas Sociais da CUT RS, Regina Abrahão, analisa a vinda do Papa ao Brasil: “O que Bento XVI esqueceu de acrescentar em sua crítica senil ao aborto, é que milhões de mulheres morrem ou carregam seqüelas graves resultantes de abortos fe

Por cinco dias, noticiários do país inteiro estarão voltados para uma “ilustre” visita que o Brasil recebe: sua santidade (ou coisa equivalente) o papa Bento XVI.


 


Nascido Joseph Alois Ratzinger, nazista na juventude, conservador ferrenho, notabiliza-se pela defesa de posições antidemocráticas e autoritárias, como a perseguição à teologia da libertação, movimento popular que tentava resgatar a igreja para princípios mais aproximados do cristianismo original e o combate sistemático ao exercício de liberdades individuais, e total desrespeito a qualquer doutrina religiosa que não seja o catolicismo oriundo da Opus Dei.


 


Certo que, enquanto estadista, Bento XVI deveria ser recebido com as formalidades condizentes. Mas a verdadeira orgia de custos que envolvem sua visita, e o aparato de segurança empregado não foram vistos no país nem mesmo quando da visita de Bush e sua paranóia terrorista. Afinal, só o novo altar, construído na Basílica de Aparecida do Norte (São Paulo), onde ele  celebrará uma missa terá capacidade de abrigar 400 bispos e mil padres, e custou a bagatela de R$ 900 mil. Sem contar com uma série de novos utensílios,  preparados para seu uso pessoal. Os cardeais de Roma que também participarão das cerimônias religiosas no país irão utilizar, de modo similar ao pontífice, novos utensílios cerimoniais como, taças e cálices. Uma observação: todas as peças serão banhadas em ouro. Certamente, nada parecido com os princípios básicos de uma religião que pregava, em sua essência, o desapego aos valores materiais, a tolerância, a negação da riqueza e a valorização da simplicidade.


 


Mas o que chama mesmo atenção é o autoritarismo e a arrogância do papa. Enquanto estadista que é, não demonstrou o mínimo respeito à nossa soberania, ao tentar ditar normas morais e de conduta que sabidamente não coincidem com a prática e a conduta da maioria da população do país. Afinal, apesar dos ditos quase 70% de católicos, o que se vê são igrejas vazias, o crescimento das religiões evangélicas e de um sentimento de orgulho e empoderamento por parte dos praticantes de religiões e cultos de matriz africana. Por outro lado,  vivenciamos uma negação prática cada vez maior dos “dogmas” impostos por uma autoridade caduca e descolada da realidade. A imensa parcela de usuárias e usuários de métodos contraceptivos, aí incluídos os preservativos, indispensáveis em tempos de aids, o número de divórcios, de uniões estáveis não formalizadas, uniões entre pessoas do mesmo sexo, gestações interrompidas, têm, em sua ficha censitária, a autodenominação de “católicos”. Como se catolicismo fosse uma condição inerente ao nascido no Brasil: É necessário dizer-se não católico, caso contrário, compulsoriamente, o sujeito engrossa a estatística. Ou seja, apesar das proibições papais, esta imensa massa dita “católica” não pratica nem  respeita a religião da maneira como ela se apresenta, e utiliza-se dos rituais religiosos como instrumentos sociais, sem vínculo direto com o exercício da religiosidade.


 


E  desta forma, para satisfação da hipocrisia reinante,  um estadista de outro país vem ditar em nosso solo normas de conduta moral e comportamento. O que Bento XVI esqueceu de acrescentar em sua crítica senil ao aborto, é que milhões de mulheres morrem ou carregam seqüelas graves resultantes de abortos feitos em situações precárias, por falta de assepsia, de capacitação, enquanto as  que podem pagar clínicas ou profissionais razoáveis recuperam-se sem nenhum problema. Mas, em tempos de capitalismo, nada é sem motivo: se legalizado e executado pelo SUS, o aborto deixaria de ser uma rentável indústria que enriquece a máfia de médicos, policiais e políticos corruptos. E aqui não se trata de defender o aborto enquanto método contraceptivo, mas sim de um último recurso em caso de gravidez indesejada.


 


Aguardaremos agora, então, as próximas “pérolas” papais, que deverão fluir nos outros dias de visitas. Certamente virão outras formulações carregadas de preconceito e intolerância. Se puxarmos um pouquinho pela memória, lembraremos que o que hoje é chamado de Congregação para a Doutrina da Fé  já foi a Sacra Congregação da Inquisição Universal. Quem sabe o sumo sacerdote não revire as bulas papais e retome máximas esquecidas, como a inexistência de alma nos negros e índios, a necessidade de extermínio de infiéis muçulmanos e judeus (com o conseqüente confisco de seus bens), e, por que não, a retomada das fogueiras.


 


Exageros à parte, inaceitável não são as crenças e religiões, que tem em sua prática direito garantido inclusive em nossa constituição. Inaceitável é o uso sem contestação da máquina pública para garantia de segurança e divulgação de uma doutrina arcaica, preconceituosa e divisioniosta; Inaceitável é um estadista estrangeiro, de questionável representatividade, querer impor seu padrão moral a nosso povo. Que a mídia burguesa se locuplete com a visita do “santo” papa, é compreensível. Previsíveis, inclusive, as repetidas e longas reportagens da TV Globo sobre brasileiros de vários cantos que se deslocarão por milhares de quilômetros para assistir a missa do papa.  Mesmo que o pano de fundo destas viagens lembre mais um convescote do que uma peregrinação.


 


A nós, que professamos o respeito à diversidade, à democracia e inclusive ao direito ao livre exercício da expressão religiosa, cabe então desmascarar este arauto da repressão e do conservadorismo radical, a serviço do capital e do neoliberalismo mais feroz. Até porque, de cristã, esta igreja não carrega nem mais o nome. Quanto mais a ideologia. 


 


Regina Abrahão


Secretária de Políticas Sociais CUT RS