Nasce na itália a “Esquerda Democrática”

O ex-Partido Comunista Italiano deu mais um passo  à direita na semana passada: depois de se fazer rebatizar como PDS (Partido Democrático de Esquerda, na sigla em italiano) e simplesmente DS (Democratas de Esquerda), tornou-se simplesmente Democrata

Há acontecimentos políticos que, de tão anunciados e esperados, quase se esgotam no anúncio e na espera. Porém sábado, no velho Palácio dos Congressos do Eur (que já viu tanta coisa na vida), foi um evento de verdade: um inesgotável rio de pessoas de todas as idades transformou a assembléia promovida pela ex-esquerda dos DS em uma flagrante novidade política.



O nascimento do movimento “Esquerda Democrática pelo socialismo europeu” foi um sucesso superou todas as previsões. Velhos e novos militantes, “ingraianos”  (partidários de Pietro Ingrao), sindicalistas, rapazinhos e mocinhas em seu primeiro encontro com as opções que contam – e muitos convidados de fora, da Refundação (PRC, Partido da Rrefundação Comunista), PdCI (Partido dos Comunistas Italianos), Esquerda Européia (articulação plurinacional impulsionada pelo PRC), ARS, Unidos à Esquerda (associação com bases sindicais), um feliz coquetel de gente e dirigentes políticos – que sorriam satisfeitos e respiravam um clima de reinício: alegre, esperançoso, libertador.



Libertador do quê? Dos sofrimentos políticos destes meses. Do medo de nem mesmo começar a superá-los, de permanecerem presos na morsa entre moderatismo e esquerda de nicho. Mas também, um pouco, da “jaula” em que ficaram aprisionados por tantos anos a política e a esquerda.



Daí a alegria que contaguiava a todos (ajudada por um sol quase fulgurante e uma sonora batida de rock), todos mesmo, e construía curiosos efeitos de localização – estávamos todos dentro da assembléia, como se fosse nossa – e estimulava a profusão de abraços e beijos. Um dele memorável, no início, entre Cesare Salvi e Achille Occhetto (líderes de tendências opostas dentro dos DS), saudado por flashes e um frenético aplauso nas primeiras filas: uma espécie de retorno do filho pródigo, o do ex-secretário do PCI.



Os relógios da história rodam à sua maneira, sem regras certas e fixas, e depois de longos e frenéticos giros eis que se encontram quase que no mesmo ponto de partida. Enquanto isso, porém, quase tudo em torno mudou. Pelo menos, o recomeço aqui é real, não ritual, pois projetado para adiante, para o futuro, e do passado conserva, esforça-se por conservar, o que há de melhor – a memória, os sons de Bella Ciao (conhecida canção da resistência italiana ao nazifascismo) e da Internacional, o antifascismo, a paz, a crítica radical do liberalismo, os valores fundadores do que leva o nome de esquerda. “Não estou certo do êxito. Não sei se o teremos. Mas devemos experimentar”, disse Fabio Mussi, na intervenção mais ampla e galvanizadora da assembléia.



Experimentar o quê? Para quê? Em que direção? Para a “Esquerda Democrática”, a resposta a essas interrogações será em um processo. O debate, embora rico, que consumiu quase toda a tarde de sábado não podia esclarecer tudo, vistos os diversos sotaques, dúvidas não sanadas, problemas culturais e de identidade de fundo.
Mas todo movimento político novo para se constituir e conhecer precisa de tempo, de fatos, de iniciativas a explicar e de “respeito” a obter, como disse Valdo Spini em uma intervenção quebra-gelo (enquanto Cesare Salvi, futuro líder da nova bancada de doze senadores da SD, preferiu reservar-se um papel entre o de disc-jockey e o de animador).



Sobretudo, o novo movimento nasce em um contexto bastante especial, pois histórico, e com uma responsabilidade a curto prazo que de imediato o transcende, o obriga a medir-se rapidamente com os demais: com a desmesurada tarefa de ser um entres o co-reconstrutores da esquerda italiana. Daí, novamente, o medo de não o fazer. E daí, novamente, os dilemas que ultrapassam o dia de festa e correm “por baixo” dos sorrisos e esperanças de cada um, um pouco como se fossem hóspedes indesejáveis ou convidados de pedra.



O primeiro destes dilemas se apresenta sob a forma de uma contradição que vale para a SD e para todas as forças interessadas: aquela entre os tempos, que pressionam os fatos como “aceleradores”, e a qualidade – a própria eficácia – da empreitada a construir. Em prazos curtos, evidentemente, corre-se o risco de atrapalhações., fusões meramente de cúpula, pela lógica dos cartéis eleitorais e contendores – e não se consegue fazer efetivamente, nos tecidos vitais da sociedade civil, esse novo início não só da esquerda mas da política em si, que todos consideram necessário. Já em prazos longos, isso também é patente, corre-se o risco de faltar ao encontro, de perder o ônibus, de prejudicar uma demanda de massa real e difusa.



Em suma, qual é “o momento justo” para ousar, para fazer explodir aquilo que no sábado alguém definiu como o necessário big bang da esquerda italiana?  Por enquanto, só se pode dizer que, depois dessa assembléia, o big bang está um pouco mais perto, em cima e em baixo, como escreveu Giovanni Russo Spena, neste mesmo jornal (que, entre parênteses, graças à decisão de uma edição extraordinária, circulou massivamente entre todos os participantes do evento – quase todos tinham na mão um exemplar de Liberazione, como uma distinção, uma referência comum, um marco. Belo, não?).



* Fonte: http://www.liberazione.it