Cunha Lima: rede pública de TV não sai por decreto e exige verba

Jorge da Cunha Lima, presidente e membro vitalício do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, afirma que sem fomento à produção a rede pública de televisão não existirá. Em entrevista a Eduardo Carvalho, da Carta Maior, fala também da sucess

Na segunda-feira (7) o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta reúne-se para escolher o novo presidente da diretoria executiva, ratificando o nome do jornalista Paulo Markun para o cargo. O Fórum de TVs Públicas começa na terça-feira. As emissoras comerciais começam a receber as linhas de crédito do BNDES, vedadas às públicas, para a digitalização de sua produção. Jorge da Cunha Lima, presidente e membro vitalício do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da Rádio e TV Cultura, opina:


Carta Maior – Como está a sucessão da presidência da Fundação Padre Anchieta?


Jorge da Cunha Lima – Agora, que se consolidou a candidatura única do Paulo Markun, só depende de haver quorum na sessão da próxima segunda, dia 7, para ele ser o novo presidente da diretoria executiva da Fundação Padre Anchieta. Ele precisa ter a maioria absoluta dos 46 votos dos membros do conselho curador.


CM – Então são favas contadas?


JCL – Não. Não! No passado já houve situações parecidas e, no dia da eleição, não houve quorum. Mas eu acho que, diante de uma eleição com a importância desta, os membros natos e eletivos não deixarão de comparecer e votar.


CM – Quais os motivos da escolha do Markun? Sabemos de sua ligação com a TV Cultura, mas como surgiu seu nome no processo de escolha. Por que foi candidato único?


JCL – Todas as eleições para presidente na história da Fundação foram a partir de candidaturas de consenso. Como é sabido, o governo manifestou o desejo de sugerir nomes, porque eles têm membros no conselho e são responsáveis por boa parte do aporte financeiro da fundação. Assim houve várias rodadas de apresentação de nomes e sucessivas discussões, até que, deste processo, surgiu o nome do Markun, com um perfil bastante aceitável por todos, o que acabou por revelá-lo como um nome que poderia apontar para um consenso entre os membros eletivos, os natos, os representantes do governo etc. Além disso, a candidatura única foi possível porque o Marcos Mendonça não quis se candidatar à reeleição.


CM – Como o Marcos Mendonça sai deste processo? Ele que recebeu tantas críticas por ter encampado o projeto de transformar a Cultura numa TV comercial? Ele sai desgastado?


JCL – Eu penso que ele sai fortalecido, pois ele deixa a televisão em situação financeira boa, capacidade de produção grande, principalmente de programação infantil e educacional, e sentimos o grande reconhecimento do conselho pelo trabalho que ele executou. As coisas que criticaram nele, e criticaram em mim já, foi a transição para um modelo comercial de televisão com publicidade institucional. Mas, com a diminuição de recursos públicos, caso não se buscasse recursos da sociedade, fecharíamos a Fundação.


CM – Com a entrada do Markun, um jornalista, como fica o cargo de ombudsman da TV Cultura que está vago?


JCL – O Oswaldo Martins saiu em junho de 2006, antes de acabar o mandato. Até hoje, estamos definindo qual é o papel de um ombudsman de televisão. Como um ombudsman poderia ficar 24 horas acordado na frente do aparelho de televisão para dar cabo da análise de toda a programação? O cargo está em aberto e a função em discussão.


CM – Além da questão publicitária, houve críticas a respeito do sucateamento da programação. Podemos citar a referência feita pelo Secretário da Diversidade Cultural, em entrevista à Carta Maior, de que há falta de qualidade, “a marca registrada da Cultura” e de que a diversidade cultural e as culturas populares são tratadas insuficientemente.


JCL – É muito difícil aceitar, como é muito difícil rebater, porque esta questão é muito subjetiva. Ninguém pode criticar, por exemplo, o Café Filosófico por tratar de uma temática elevada. Pelo contrário, penso que precisamos parar de colocar baixa cultura para o povo. Então, acho que estas críticas são complicadas porque não correspondem. O que é preciso verificar é se houve má qualidade cultural ou desvio das finalidades educativo-culturais. E isso não houve.


CM – E a questão da TV digital? Como a TV Cultura está se preparando para esta transição. Acabamos de ver que o BNDES liberou recursos para o SBT, como a Fundação está se preparando?


JCL – O Marcos Mendonça conseguiu fazer uma boa aquisição de equipamentos para a produção de programação digital. Agora, o que está em questão é a transmissão digital que evidentemente não se resolverá com o dinheiro destes orçamentos magros que temos. Precisaremos de algum financiamento externo que será feito ou a fundo perdido pelo Governo Federal para todas as emissoras públicas ou, então, com financiamentos de fontes privadas. Este financiamento do BNDES, por enquanto, é destinado apenas às emissoras comerciais. Não se criou um mecanismo ainda de tomada de financiamento pelas TVs públicas que dependeriam do aval dos governos estaduais que, muitas vezes, já estão com os limites de endividamento esgotados, assim, mesmo que o BNDES quisesse dar o dinheiro, os estados não poderiam tomar. Estas questões serão discutidas no Fórum de TVs Públicas, que acontece agora em maio em Brasília.


CM – A respeito do Fórum, tendo em vista a propositura do Franklin Martins pela formação de uma Rede Pública de Televisão – e até onde conseguimos apurar a Fundação Padre Anchieta se alinha a este propósito-, quais são as perspectivas para o debate que se aproxima?


JCL – Olha, este alinhamento aí é o seguinte: nós estamos de acordo que exista uma programação nacional de televisão feita pelas televisões públicas. Uma programação que seja o reflexo do Brasil. Concordamos com isso, mas precisamos discutir em que formato se dará este acordo. O fórum tem que discutir o formato e as condições de adesão de todos os membros de uma rede pública. A principal condição é que haja dinheiro para fazer produto, por que rede não se cria por decreto. Quando houver condições de se produzir conteúdos, a rede surge!


CM – Isso significa que o Governo Federal terá que dar uma grande injeção de verba para a concretização desta proposta?


JCL – Sim, um aporte de verba para que as produções regionais possam ser realizadas pelas TVs estaduais e pelos produtores independentes regionais.


CM – Então, sem dinheiro não há rede pública de televisão?


JCL – Não há condições de haver rede sem produção de conteúdos e produção depende de verbas. Não dá para se fazer rede só a partir de uma vontade, ou de um decreto.