Para Paulo Nogueira Batista Jr, Banco do Sul vem em boa hora

Em artigo publicado nesta quinta-feira na Folha de S.Paulo, o economista e diretor-executivo do FMI define como polêmico o projeto do Banco do Sul, encabeçado pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, mas entende que trata-se de uma boa iniciativa

Confira abaixo a íntegra do texto:



Banco do Sul?



Um dos temas discutidos à margem da recém-concluída reunião de primavera do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Mundial foi a proposta de criação do Banco do Sul. Não é um assunto da órbita das entidades financeiras de Washington, pois a decisão de criá-lo cabe aos países. Mas a formação de um novo banco apareceu com destaque nos encontros paralelos à reunião, que aconteceram em Washington entre ministros de finanças e delegações da Argentina, da Bolívia, do Brasil, do Equador e da Venezuela.



A questão é polêmica. Alguns temem que a iniciativa possa ter um caráter apenas político ou ideológico sem estar bem fundamentada do ponto de vista técnico. É uma preocupação relevante, pois os objetivos políticos e econômicos pretendidos só serão alcançados se a nova instituição dispuser de um volume adequado de recursos e for construída de forma cuidadosa e financeiramente sustentável. Se isso não acontecer, acabará dando prejuízo ou caindo no vazio.



A iniciativa faz sentido do ponto de vista dos nossos países. Primeiro, porque poderá fortalecer a dimensão financeira do processo de integração da América do Sul. Segundo, porque poderá aumentar o poder de barganha dos nossos países em relação ao FMI, ao Banco Mundial e ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).



O momento é propício para tratar do tema, uma vez que a posição externa das economias sul-americanas é bastante forte. A situação de balanço de pagamentos é tranqüila e nossas reservas internacionais aumentaram. Além disso, a evolução política em diversos países da região favorece, de maneira geral, iniciativas que aumentem a nossa autonomia e margem de manobra no campo internacional. Novas crises externas virão, cedo ou tarde, e temos de estar preparados para enfrentá-las sem comprometer a independência de nossas nações e solapar o processo de integração regional.



A discussão apenas começou e muitas questões ainda estão obscuras. Fala-se, por exemplo, que o Banco do Sul trataria não só de apoiar projetos de desenvolvimento econômico e social (como fazem o Banco Mundial, o BID e o BNDES), mas também de financiar desequilíbrios de balanço de pagamentos (como faz o FMI). São funções muito distintas. Tão distintas que o melhor talvez seja criar duas instituições separadas. Digamos: o Banco de Desenvolvimento do Sul e o Fundo Monetário do Sul. Não por acaso, em Bretton Woods, foram criadas duas instituições: o FMI e o Banco Mundial.



Como se sabe, em outras regiões do mundo já existem iniciativas desse tipo. No leste da Ásia foi estabelecido, depois da crise de 1997/ 98, sem muito estardalhaço, um sistema de cooperação monetária que pode ser (e tem sido) visto como o embrião de um Fundo Monetário Asiático. Esse tipo de iniciativa aumentou a segurança externa dos países da região e a sua influência em organismos como o FMI.



Um Fundo Monetário do Sul, ou algum esquema estruturado de cooperação monetária e cambial, apresentaria semelhanças com essa iniciativa asiática. No leste da Ásia, os países que dão solidez técnica e financeira à iniciativa são principalmente o Japão e a China. Na América do Sul, esse papel teria de caber à Argentina, ao Brasil e à Venezuela. Um dos objetivos seria impedir que, em caso de crises de balanço de pagamentos, os países pequenos e médios da região ficassem submetidos ao controle e à influência de forças políticas extra-regionais.



Em comparação com as entidades de Washington, o banco ou os bancos do Sul teriam de ser mais igualitários e democráticos – sem deixar de refletir as diferenças de tamanho e contribuição financeira dos países participantes. Os seus desembolsos teriam de ser mais rápidos -sem deixar de estar respaldados em garantias ou condicionalidades.



Um dos países do grupo que represento no FMI – o Equador – está entusiasmado com a idéia do Banco do Sul. O Brasil, ainda que com mais hesitações, também deseja participar da formulação da iniciativa. Tendo acabado de assumir a representação desses dois e mais sete países do Sul em um dos ''bancos do Norte'', procurarei seguir de perto o desenvolvimento da discussão.



Paulo Nogueira Batista Jr. é economista. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).