Na cúpula sul-americana, etanol só recebe elogios

A Cúpula Energética Sul-Americana, formada por 12 presidentes, reuniu-se nesta terça-feira (17) na Venezuela para a criação da União das Nações da América do Sul, com a tarefa de resolver problemas energéticos. “Nós consolidamos a união da América do Sul.

O presidente da Venezuela e anfitrião do encontro da Ilha Margarita, Hugo Chávez, mostrou que, longe de ser um crítico do etanol, deseja importá-lo. “Quero esclarecer que nós não estávamos contra biocombustíveis. Queremos importar etanol do Brasil, além disso, sem taxas.” Em seu discurso, Chávez dirigiu-se ao presidente brasileiro: “Lula, solicito o melhor preço possível para os próximos dez anos”.



Chávez: “Milhões de hectares de cana”



Foi o presidente venezuelano que defendeu, no documento final do encontro, um tratado energético sul-americano que  tenha, entre os eixos estratégicos, petróleo, gás e biocombustível. Superou-se assim a sequência de declarações discordantes que marcou o mês passado em matéria de etanol.



Chávez defendeu inclusive que o plano de integração energético sul-americano promova a construção de usinas de etanol ao lado das refinarias de petróleo, como meio de facilitar a mistura dos dois combustíveis. “Isso significará o cultivo de milhões de hectares de cana e de palma africana (dendê), para oxigenar a gasolina”, disse.


 
As declarações de março



Durante a visita de George W. Bush à América Latina, de 8 a 14 de março, Chávez qualificara o projeto do etanol de “irracional e antiético”. “Pretender substituir a produção de alimentos para animais e seres humanos pela produção de alimentos para veículos para dar sustentação ao american style of life [estilo de vida americano] é uma coisa de loucos”, disse.



Críticas semelhantes partiram de Cuba, inclusive em escritos de Fidel Castro. Os cubanos, porém, ao que se informa, também passaram a destacar que não têm restrições à tecnologia do biocombustível, embora questionem, sim, as intenções do chefe da Casa Branca.



Hugo Chávez confirmou as declarações do assessor de Lula para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, de que o Brasil está renegociando a venda do etanol para a Venezuela. “Nós vendemos etanol e vamos continuar vendendo etanol para a Venezuela para que incorpore cerca de 10%. As críticas sobre a produção do etanol estão atenuadas em certa medida. O acordo já está sendo refeito e agora é simplesmente uma questão de preço”, afirmou Garcia.



Declaração conjunta oficializa apoio



A Declaração de Margarita é explícita sobre o tema. Proclama que os 12 países presentes decidiram “impulsionar o desenvolvimento de energias renováveis, já que elas cumprem um importante papel na diversificação da matriz energética primária, ma segurança energética, na promoção do acesso universal à energia e na preservação do meio ambiente”.



O documento vai além, ao “expressar o reconhecimento do potencial dos biocombustíveis para diversificar a matriz energética sul-americana. Com este sentido (os países) conjugarão esforços para intercambiar experiências realizadas na região, com vistas a alcançar a máxima eficiência no emprego destas fontes, de forma a promover o desenvolvimento social, tecnológico agrícola e produtivo”, afirma o texto.



A aposta brasileira no biocombustível



Era o que o Itamaraty queria. Desde o seu início, em janeiro de 2003, o governo Lula apostou pesado nos biocombustíveis em geral e no etanol e particular, tanto no plano interno como no internacional. O Brasil passou assim para uma posição sui generis. Como porta-estandarte dessa alternativa energética renovável e menos poluidora, será o seu pioneiro caso ela se imponha nos próximos anos. E pagará caro se o mundo não se render ao biocombustível.



Ao falar à imprensa depois do encontro, Lula se referiu também a outros recursos energéticos abundantes na América do Sul. Há, segundo Lula, “um potencial extraordinário, que por falta de discussão nós não aprofundamos. E agora eu acho que vamos discutir com mais clareza todo o potencial de gás, todo potencial de petróleo, todo potencial de eólico, de biodiesel e de energia hídrica, para que a gente possa dar ao nosso continente uma dimensão para se desenvolver”, afirmou, visivelmente satisfeito com o resultado da cúpula.



Sobre o Banco do Sul, sinais contraditórios



Já em outro tema que freqüentou os bastidores da Cúpula de Margarita, o Banco do Sul, o Brasil emitiu sinais contraditórios. O projeto foi formalmente proposto em janeiro, na Venezuela, após um encontro de Chávez com o presidente argentino, Néstor Kirchner. No domingo (15), em Washington, o ministro Guido Mantega (Fazenda) chegou a anunciar a adesão brasileira à proposta. Ontem, porém, a posição do Brasil foi de evitar compromissos.



Lula disse ainda que não se discutiu a criação do banco do Sul. “É preciso definir, antes de qualquer coisa, o que é esse Banco do Sul; para que ele serve, se ele é banco que tem a finalidade do FMI, se tem a finalidade do Banco Mundial, do BNDES. Primeiro é preciso definir para que nós queremos um banco, qual a sua finalidade, para depois saber se compensa participar ou não”, afirmou.



Ressalvas de Garcia ao “prato feito”



Garcia também usou um tom crítico. Sem descartar  a idéia, disse que o Brasil não adere a projeto pronto ou come prato feito. “Nós não vamos aderir a um projeto pronto, nós não vamos comer um prato feito. Nós queremos ir para a cozinha e participar da elaboração deste prato”, enfatizou.



“Não precisamos indicar que estamos fora nem que estamos dentro. Quem levantou pela primeira vez o tema do sistema financeiro sul-americano foi o Brasil. O Banco do Sul não está em discussão aqui, pode entrar na discussão dos presidentes como tema informal”, afirmou ainda o assessor da Presidência.



García, porém, endossou a proposta do presidente equatoriano, Rafael Correa, em visita a Brasília no ultimo dia 4, de coordenar uma reunião com ministros da Fazenda da América do Sul. “Uma proposta sensata de que ele, como economista, pudesse de certa maneira coordenar um esforco para a formulação de um projeto de sistema financeiro”, elogiou.



Correa, o mais novo dos presidentes de esquerda sul-americanos, empossado em março, já expressou seu apoio ao Banco do Sul. Ele defende o modelo de um fundo monetário regional, para socorrer países da região em caso de crise, substituindo o famigerado e hoge desacreditado FMI.



Compareceram 11 dos 12; só Tabaré faltou



Uma medida do sucesso da cúpula foi o comparecimento em massa. A presidente do Chile, Michelle Bachelet, que hesitava em comparecer, estava lá. Dos 12 chefes de Estado sul-americanos, 11 participaram. Apenas Tabaré Vázquez, do Uruguai, enviou em seu lugar o vice-presidente Rodolfo Nin Noboa.



Compareceram igualmente Evo Morales (Bolívia), Nicanor Duarte (Paraguai), Álvaro Uribe (Colômbia), Rafael Correa (Equador), Alan García (Peru), Néstor Kirchner (Argentina) e Bharrat Jagdeo (Guiana). A União das Nações da América do Sul vai saindo do papel, apesar da barreira de ceticismo que encontra em setores das elites nativas, mais acostumados a viajar para Washington que para as capitais dos seus vizinhos.



Da redação, com agências