Ocupações do MST miram elo entre capital e latifúndio

Mais que ocupar terras no intuito de forçar desapropriações para criação de assentamentos, ação do MST em abril aponta artilharia para o modelo agroindustrial abraçado pelo capital financeiro, visto como força maior no impedimento da reforma agrária. Pres

Como em todo mês de abril, período de concentração das mobilizações pela reforma agrária no país – uma homenagem aos 19 sem-terra mortos pela polícia no massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 17 de abril de 1996 -, o MST tem intensificado ações como ocupações de terra e prédios públicos, manifestações e marchas em grande parte dos estados. Segundo o movimento, porém, este ano o objetivo da chamada Jornada Nacional pela Reforma Agrária tem uma perspectiva mais ampla, do ponto de vista político, do que a reivindicação por assentamentos e justiça no campo.


 


De acordo com a direção do MST, para além das pautas específicas do movimento em cada estado, as mobilizações de 2007 visam, por um lado, recolocar a reforma agrária na pauta nacional, uma vez que a questão se apagou do discurso programático do governo; por outro lado, a artilharia política do movimento se concentra no confronto direto à confluência do capital financeiro com o latifúndio, força que estaria colocada como principal oposição à reforma agrária.


 


Segundo João Pedro Stedile, membro da coordenação nacional do MST, o debate sobre a factibilidade da reforma agrária passou a ser ideológico, na perspectiva das lutas de classe, a partir do momento em que a elite econômica nacional e o capital internacional se voltaram para a agricultura. Tanto porque a distribuição da terra enquanto bem produtivo não é de interesse destes setores, quanto por conta da supremacia do capital internacional sobre o espectro político que ocupa o poder constitucional.


 


Concretamente, exemplifica Stedile, a perspectiva do agronegócio para o campo brasileiro é evidenciada na constituição e no posicionamento da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), da qual fazem parte grandes multinacionais como Basf, Bayer, Bunge, Cargill, Du Pont, Goodyer, John Deer, Monsanto, Pioneer, Pirelli e Syngenta – e, curiosamente, os grupos de comunicação Globo e Estado de São Paulo. Em seu quinto Congresso, realizado em agosto do ano passado, a Abag incluiu, entre as recomendações para os então presidenciáveis, a manutenção dos índices de produtividade no campo, estabelecidos em 1975 – sua atualização é uma das principais demandas dos movimentos sociais -, e o compromisso do governo de “zelar pela segurança das propriedades rurais e manter a paz no campo para atrair investimentos externos e promover o desenvolvimento do setor”.


 


Possivelmente o cerne do confronto entre o agronegócio e os movimentos sociais está neste último ponto, como têm demonstrado as ocupações do MST focadas nas monoculturas canavieira e de reflorestamento para papel e celulose em São Paulo e Pernambuco na última semana. Politicamente, confluíram nestas ações as críticas a duas das culturas-símbolo do capitalismo agrário, a oposição à aliança do Estado com o capital internacional – em especial o acordo Brasil-EUA em torno dos agrocombustíveis – e a principal ferramenta de luta dos movimentos, as ocupações.


 


“Se nós ficarmos parados, não acontece reforma agrária e vamos ser engolidos pelo agronegócio. O modelo agroindustrial que está sendo implementado no campo é contrário a perspectiva de reforma agrária. Recentemente fui questionado por um jornalista inglês se o MST está mudando seu foco, deixando de lutar pela reforma agrária para combater o agronegócio. Vocês estão criando outras bandeiras, o movimento está se transformando em outra coisa, fazendo a discussão da política econômica, questionou. Não é uma mudança de foco; é que nos demos conta de que não se fará a reforma agrária nesta estrutura que está colocada politicamente para o campo brasileiro”, explica José Batista, da coordenação nacional do MST.


 


Lula e o governo



 


O fato de “a estrutura que está colocada politicamente para o campo brasileiro” ter sido uma opção explícita do governo Lula – reafirmada recentemente com a “beatificação” do setor sucro-alcooleiro, elevado a herói nacional pelo presidente – tem suscitado no MST um processo complexo de reflexão sobre a relação do movimento com o Planalto. Um rompimento com Lula parece não estar colocado, mesmo porque o MST se coloca como força autônoma, sem alianças a serem rompidas, mas há uma elevação do tom das críticas e cobranças.


 


A partir do entendimento de que um dos fenômenos do neoliberalismo tem sido a submissão dos governos à hegemonia do capital, na avaliação do movimento o governo Lula não escapou à regra.


 


“O capital está se institucionalizando. O que vemos nos últimos anos é que o capital impôs ao governo Lula a manutenção do modelo econômico anterior. Um governo ou uma caneta não vão mudar esta correlação de forças. Não temos a ilusão de que um indivíduo, um presidente, vá ter força para alterar uma contradição de 500 anos na estrutura fundiária do país. Poderia ser o Fidel Castro o presidente da república. Não é porque mudou o governo que muda a forma do capital se articular com o latifúndio atrasado”, pondera José Batista.


 


Por outro lado, porém, o movimento quer de Lula um posicionamento político claro quanto à reforma agrária. Segundo Batista, não se trata de discutir os números apresentados pelo governo como resultado do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) na primeira gestão, mas de um diálogo conclusivo sobre a vontade política, as perspectivas e as metodologias de implementação do projeto.


 


“Nós não vamos discutir números. O principal indicativo de que não foram cumpridas as metas do PNRA são as 140 mil famílias do movimento que estão acampadas. A maioria desses acampamentos existem desde 2003. Não é preciso discutir com o [ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme] Cassel se tem mais ou menos em número; as famílias são testemunhas: não fomos beneficiados pela reforma agrária. Mas queremos tratar com o Governo Federal. E queremos tratar não dizendo o que não fez, queremos tratar dizendo porque não fez. E se quiser fazer, então vamos discutir como. Nós estamos fazendo um esforço de propor o que tem que mudar pra fazer a reforma agrária, para mexer na estrutura fundiária”, diz Batista.


 


De acordo com o dirigente do MST, apesar da sinalização por parte de Lula, no começo do ano, de que o governo quer dialogar, ainda não foi marcada nenhuma audiência com o presidente. Não obstante, o movimento tem pronta uma extensa lista de reivindicações a ser negociada com o Planalto e os diversos ministérios.


 


Entre as demandas, estão a adoção de mecanismos para a implementação de um programa massivo de reforma agrária para beneficiar um milhão de famílias de trabalhadores sem terra; que se atualize os índices de produtividade e que se mude as normas internas para acelerar os processos de desapropriação, com aplicação dos ritos sumários; a destinação imediata para a reforma agrária de todas as fazendas hipotecadas em bancos públicos ou envolvidas com dividas de impostos e direitos trabalhistas; assentamentos criados próximos às cidades, em terras férteis, combinados com agrovilas e agroindústrias, garantindo outros tipos de trabalho e renda para as mulheres e jovens; fortalecimento e expansão dos programas de educação e alfabetização do movimento; e, no aspecto administrativo, a vinculação do Incra diretamente a Presidência da República e a contratação urgente de novos funcionários para o órgão.


 


“Queremos cobrar compromissos e propor os mecanismos para a reforma agrária. As nossas ações vão obrigar o presidente Lula a tomar posição. Estamos neste nível de discussão”, conclui Batista.