Debate sobre aborto ganha espaço no Congresso Nacional

Câmara e Senado se preparam para uma disputa polêmica nos próximos meses. As recentes declarações do ministro da Saúde, José Temporão, que se manifestou favorável a um plebiscito sobre a legalização do aborto, reacenderam o debate sobre o tema e fizera

''Bancada da fé''


 


Diferentemente do que ocorre com outros temas discutidos no Congresso, dessa vez a discussão não será partidária, mas sim orientada por opções ideológicas e religiosas.


 


Deputados e senadores ligados à igrejas se articulam em quatro frentes parlamentares contra o aborto. A mais nova foi criada na quinta-feira (12), já contando com 205 assinaturas.


 


Um novo grupo a ser criado em maio, em razão do Dia das Mães, já reúne 198 deputados católicos e evangélicos, com nome de Frente Parlamentar da Família e Proteção à Vida.


 


A frente, criada para justamente atuar nesses projetos, já definiu a estratégia de atuação em relação à proposta do plebiscito: desmembrar o texto ou obstruir a votação.


 


“Ano que vem é ano eleitoral. O brasileiro já fica horas na fila para conseguir votar e ainda com um plebiscito desses? É submeter a população a um sofrimento desnecessário”, justifica o deputado Rodovalho (DEM-DF), ao argumentar que o país “tem problemas mais graves” para resolver.


 


Bispo da Igreja Sara Nossa Terra, Rodovalho é um dos coordenadores da frente e também da bancada evangélica, que conta com 38 parlamentares e também promete votar contra o plebiscito.


 


No Senado, o posicionamento é o mesmo, mas a articulação tem alcance bem menor devido ao tamanho da bancada: apenas dois evangélicos.


 


O senador Magno Malta (PR-ES) é um deles. “Embora entenda que a sociedade tem o direito de discutir assuntos complexos, se eu tenho a possibilidade de estar na votação, eu voto ‘não’”, afirma.


 


“Não temos poder de mobilização, mas vamos trabalhar conscientizando. Porque tem muitos senadores aqui que não são evangélicos, são católicos, espíritas e são contra (o aborto)”.


 


Bancada feminina


 


A coordenadora da bancada feminina, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), afirma que a bancada não deverá fechar posição sobre o tema ou se envolver em articulações pró ou contra algum projeto.


 


“Na bancada, não há unidade sobre temas que dizem respeito a comportamento, a valores, opções existenciais. O tema não é objetivo. Tem forte componente subjetivo”, diz a líder.


 


A idéia de fazer um plebiscito, no entanto, conta com o apoio da deputada. “Eu defendo sempre a liberdade do ser humano. A liberdade, a consciência e a responsabilidade de cada um deve ser respeitada. Nenhuma instituição, seja estado ou religião, pode impor de forma universal comportamentos, obrigações e valores em uma sociedade de diferentes, de diversidade cultural”, diz.


 


Na bancada feminina no Senado, composta por dez senadoras, também falta posicionamento. “Posso falar por mim, porque essas coisas polêmicas a gente não fala pela bancada”, afirma a líder Serys Slhessarenko (PT-MT).


 


“Eu nunca fiz, não aconselho ninguém a fazer, acho que ninguém deve fazer, mas por outro lado a gente não pode ter uma postura de avestruz, fazer de conta tudo está bem, que nada está acontecendo. Milhares e milhares de mulheres estão morrendo e ficando mutiladas por conta do aborto clandestino”, opina.


 


Segundo ela, o projeto sobre o plebiscito ainda não foi discutido pela bancada, mas, mesmo que seja, não será fechada posição sobre o assunto.


 


“Há diferenças de pensamento. É uma questão que fica mais em aberto por causa da postura política de cada uma”, diz.


 


Maniqueísmo


 


Líder da Frente Parlamentar da Saúde, com 260 parlamentares, o deputado Rafael Guerra condena o maniqueísmo da discussão sobre os projetos relativos ao aborto – tanto do lado contra quanto do lado pró.


 


Médico, católico, ele foi relator de um dos projetos que propunham permitir o aborto em caso de fetos anencéfalos. Apesar de ter dado parecer favorável à proposta, recebeu pressão até mesmo dos grupos a favor da interrupção da gravidez.


 


“Eu apanhei quando apoiei o aborto do anencéfalo. Os maniqueístas contrários ao aborto achavam um absurdo eu falar isso: que considero o anencéfalo não como um ser humano. Ele pode ser um ser vivo, mas é pouco mais que um vegetal. Alguns defensores do outro lado quiseram colocar (no texto do projeto) 'anencefalia e outras más formações congênitas'. Aí eu falei que não. Estou falando de anencefalia porque é incompatível com a vida”, conta.


 


Governo não vai opinar


 


A ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Nilcéa Freire, considera que o governo já cumpriu o seu papel no debate sobre o aborto, com a edição de um relatório, em 2005, por uma comissão formada por integrantes da sociedade civil, do governo federal e do parlamento.


 


O documento foi entregue à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. ''Agora, cabe ao Congresso Nacional e à sociedade retomarem esse debate'', afirma a ministra. Segundo ela, o relatório aborda questões como a mortalidade materna ligada ao aborto clandestino no Brasil.


 


O debate sobre a legalização do aborto no Brasil ganhou fôlego nos últimos dias com as declarações do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que defendeu a realização de um plebiscito para decidir a questão. Bastou ele levantar o tema que logo surgiram manifestações contrárias ao aborto. O ministro chegou a enfrentar um protesto na última semana em Fortaleza.


 


O tema foi reforçado pela aprovação do aborto em um plebiscito realizado em Portugal, no qual 59,25% dos 3,8 milhões eleitores votaram a favor da medida. Na promulgação da lei, esta semana, o presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, propôs que o Estado crie uma rede pública de acompanhamento psicológico e social para as mulheres que fizerem abortos.


 


Além disso, tramita no Senado Federal um projeto de decreto legislativo que prevê a realização de plebiscito para debater assuntos polêmicos, como legalização do aborto, união civil de homossexuais e o fim do voto eleitoral obrigatório.


 


A opinião da ministra é de que antes de consultar a população sobre a legalização do aborto no Brasil, o tema precisa ser amplamente debatido pela sociedade brasileira. ''O plebiscito é um instrumento da democracia direta que poderá ser utilizado, mas a sociedade manifesta o desejo de que esta questão seja alvo de uma consulta'', diz.


 


Segundo ela, os canais disponíveis para essa discussão são audiências públicas realizadas pelo Congresso Nacional e pela sociedade civil. ''Sair de cara com um plebiscito sem que a sociedade brasileira tenha a oportunidade de debater profundamente esse tema eu não acho mais adequado''.


 


Nilcéia Freire afirma que a possibilidade de uma ação concreta de iniciativa do governo federal só vai ser discutida quando isso for proposto. ''Para mim, o importante é que a sociedade possa, livremente, de maneira informada, debater esse assunto, como outros, não há assunto que possa ser cassado o direito da sociedade de discutir e debater''.


 


Projetos


 


Confira os projetos que tratam do aborto


 


– nº 4917/2001 – Givaldo Carimbão (PSB-AL) – Tipifica o aborto como crime hediondo (aguardando entrada em comissão)
– nº 7443/2006 – Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – Tipifica o aborto como crime hediondo (aguardando entrada em comissão)
– nº 478/2007 – Luiz Bassuma (PT-BA) – Cria o Estatuto do Nascituro (está na Comissão de Seguridade Social e Família)
– nº 1494/2004 – Gerson Camata (PMDB-ES) – Convoca plebiscito sobre o aborto (aguardando entrada no plenário do Senado)
– nº 227/2004 – Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) – Não pune aborto praticado por médico em caso de anencefalia (Comissão de Constituição e Justiça do Senado)
– nº 660/2007 – Cida Diogo (PT-RJ) – Permite aborto no caso de anencéfalos (aguardando entrada em comissão)
– nº 1135/1991- Eduardo Jorge – Aborto deixa de ser crime (Comissão de Seguridade Social e Família)


 



Da redação,
com agências


 


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