Negritude e trabalho no Brasil

Por Regina Abrahão – Secretaria de Movimentos Socias da CUT RS


A economia colonial, baseada na mineração e na monocultura, tentou utilizar primeiro o índio como mão-de-obra escrava.  Embora o índio tenha sido um elemento impo

A reação do nativo, por seu entendimento sobre trabalho e sua estrutura organizativa, tornou-se uma ameaça para o colonizador. Como conhecia o território, as fugas eram comuns, além de reagir à violência do branco de forma igualmente violenta. Destaca-se também a posição dos jesuítas, que, voltados para catequese do índio, opunham-se à sua escravidão. Desta forma, apenas a economia extrativista do norte baseou-se na mão-de-obra escrava indígena.


 


No resto do território, o negro foi o fator propulsor da economia, já que o sistema capitalista nascente não tinha como pagar salários para milhares de trabalhadores, e a população portuguesa, que não chegava aos 3 milhões, era considerada reduzida para oferecer assalariados em grande quantidade. Mas provavelmente o mais forte dos motivos tenha sido a renda gerada pelo tráfico de escravos, uma das principais fontes de acumulação de capital para a metrópole. Com o tráfico de índios, o lucro não chegava à Portugal, ficando na colônia. Não por acaso, o capital resultante do tráfico de escravos foi quem organizou a imigração européia, quando o capitalismo nascente precisava de mercado consumidor. E este “negócio” foi a origem do capital financeiro que hoje domina a economia brasileira.


 


 Para se ter idéia do volume de capital gerado pelo tráfico, a quantidade de escravos em 1681 atingia a cifra de 1 milhão de negros trazidos somente de Angola. Estes escravos foram responsável inicialmente pelo abastecimento da lavoura canavieira em expansão nos séculos XVI e XVII . Posteriormente foram usados nas áreas de mineração e da lavoura cafeeira, nos séculos XVIII e XIX respectivamente.


 


 O tráfico negreiro era usual em Portugal.   Desde meados do século XV , o comércio de escravos era regular em regiões da europa e suas recém-invadidas colônias. Durante o reinado de D. João II o tráfico negreiro foi institucionalizado com a ação direta do Estado português, que cobrava taxas e limitava a participação de particulares.


 


Quanto à procedência étnica do negro, destacaram-se dois grupos importantes: os bantos, capturados na África equatorial e tropical provenientes do Congo, Guiné e Angola, e os sudaneses, vindos da África ocidental, Sudão e norte da Guiné. E entre os elementos deste segundo grupo, destacavam-se muitos negros islamizados, responsáveis posteriormente por uma rebelião de escravos ocorrida na Bahia em 1835, conhecida como a Revolta dos Malês.


 


Foi com o trabalho escravo que desenvolveram-se atividades as  econômicas que garantiram a sustentabilidade do Brasil colônia e de Portugal durante o período: a mineração, a extração e o beneficiamento da cana-de-açúcar, tabaco, algodão, café e   a produção de couro e charque, além dos serviços domésticos e da agricultura de subsistência.. Haviam ainda os escravos que prestavam serviços remunerados, devendo estes pagar tributo ao proprietário, os chamados escravos de ganho. E por fim, escravos que eram alugados para cumprir determinados ofícios qualificados, como alfaiates, pedreiros, artesãos, carpinteiros, determinados escravos de aluguel.


 


Quando inicia-se a revolução industrial, e o mercado europeu começa a necessitar consumidores, a mão-de- obra escrava passa a ser um fardo para o capitalismo nascente, uma vez que, por não ser assalariado, o escravo não possuía poder de compra. Institucionalizada a “abolição”, um enorme contingente de ex-escravos é transferido das senzalas para as áreas desabitadas, formando então os primeiros cinturões de miséria. Milhares de negros, sem emprego, sem moradia, sem nenhum tipo de garantias de vida eram encontrados ora escondidos nos morros, ora perambulando e mendigando nos centros urbanos atrás de comida e ocupação. A capoeira passa a ser proibida por lei; capoeiristas eram presos, condenados ao degredo ou à morte, em caso de suspeita de chefia de malta   (grupos organizados de capoeiristas). A cultura, a música e a religiosidade negras eram violentamente reprimidas e/ou criminalizadas.


 


Desta forma, o negro se vê excluído da sociedade e do  mercado de trabalho emergente. Isolado em áreas distantes dos centros populacionais, aos poucos começa a vender sua força de trabalho para pequenos serviços, justamente aqueles mais desqualificados e penosos. Mesmo quando empregado, encontra nas relações de trabalho a reprodução dos conceitos produzidos na escravidão.  Data daí a expressão “trabalho de negro”, que se referia a tarefas desagadáveis, pouco produtivas e mal-remuneradas.


 


O falso mito da democracia racial no Brasil  encobre, durante o início do séc XX as más condições, a precarização e o desemprego do trabalhador negro. Durante os “anos dourados”, apesar do desenvolvimento econômico alcançado, os negros ocupam os cargos de menor qualificação e remuneração. Consequência do cruzamento da precariedade da educação oferecida, dificuldades de acesso à escolarização, distância ou inexistência de equipamentos sociais, legislação discriminatória (até pouco tempo atrás, “vadiagem” era considerada contravenção, passível de detenção, num país que sabidamente não tem empregos suficientes para toda a população), preconceito e discriminação, o emprego oferecido à população negra é geralmente o menos qualificado, por conseguinte, pior remunerado. Como todo o preconceito tem uso para o capital,  são associadas à etnia características como maior força física, menor capacidade intelectual e capacidade de obediência. A partir disto, encontramos entre as ocupações usualmente ocupadas por negros e negras os trabalhos domésticos, de asseio e conservação (para ambos os sexos), trabalhos braçais (estiva, construção civil, vigilância).Segundo pesquisa realizada pelo DIEESE, a situação do trabalhador negro no Brasil hoje é de “reiterada desigualdade”, para ambos so sexos, no mercado de trabalho das seis regiões metropolitanas estudadas. 


 


As desigualdades no mercado de trabalho entre negros e não-negros – DIEESE


 


Nenhum outro fato, que não a utilização de critérios discriminatórios baseados na cor dos indivíduos, pode explicar os indicadores sistematicamente desfavoráveis aos trabalhadores negros, seja qual for o aspecto considerado. Mais ainda, os resultados permitem concluir que a discriminação racial sobrepõe-se à discriminação por sexo, combinando-se a esta para constituir o cenário de aguda dificuldade em que vivem as mulheres negras, atingidas por ambas.


 


A comparação das taxas de desemprego nas diferentes regiões mostra que, em Salvador, a taxa de desemprego entre os negros é 45% maior que entre os não-negros, apresentando cerca de 8 pontos percentuais de diferença (25,7% entre os negros e 17,7% entre os não-negros). Em São Paulo, ocorre fenômeno semelhante, com uma distância de 40% entre as taxas de desemprego entre as duas raças. Ainda que em proporções elevadas, os menores diferenciais ocorrem no Distrito Federal e em Recife.


 


No total das regiões, 50% dos desempregados são negros, o que corresponde a 1.479.000 pessoas, em 1998. Em Salvador, os negros são 86,4% dos desempregados e, em Recife e no Distrito Federal, cerca de 70%. Já em Porto Alegre, representam 51,4% do total de desempregados.


 


Nas regiões metropolitanas de São Paulo, Salvador e Porto Alegre, a cor discrimina mais no desemprego que o sexo do trabalhador, ou seja, as taxas de desemprego são maiores entre os homens e mulheres negros que entre as mulheres não-negras.


 


O mesmo efeito discriminatório da cor se verifica na comparação entre as taxas de desemprego entre os homens negros e os não-negros. As maiores diferenças nestas taxas encontram-se em Salvador, onde o desemprego entre os homens negros é 57,9% maior que entre os homens não-negros, e em São Paulo, onde esta diferença é de 51,4%.


 


Em todas as regiões, as mulheres negras apresentam as maiores taxas de desemprego. No entanto, as diferenças destas taxas entre as mulheres negras e não-negras são consideravelmente menores do que entre os homens, variando do maior patamar, 36,0% de diferença em Salvador, até o menor (6,7%), no Distrito Federal. ”


 


A constatação e aceitação da realidade acima descrita são o primeiro passo para transformar desigualdades, geradoras de mazelas sociais, em diferenças, com as quais a sociedade deve aprender a conviver. A relação entre trabalho, qualidade de vida e equilíbrio social é determinante para a busca de uma sociedade igualitária e mais justa. A discriminação, apesar de características culturais e sociais, tem em seu fundamento básico a exploração do homem pelo homem, a geração de lucro, a apropriação do capital. Por isto, a luta pelo fim de todos os preconceitos é fundamental para todos aqueles que entendem necessário o fim da barbárie chamada capitalismo.


 


Bibliografia – O Afrodescendente Agente de Saúde Ambiental – cadernos 1, 2 e 3 Ed. SEMAPI / – História do Brasil – Luiz Koshiba e Denize Manzi Pereira / – O tráfico Explica a Escravidão – Fernando Novais / – Mapa da População Negra no Mercado de trabalho – DIEESE.


 


Regina Abrahão – Secretária Políticas Sociais CUT RS