Sem-teto protagonizam ocupações e lutam pela Reforma Urbana

Chamados por muitos de “moradores de rua”, ou pejorativamente de “mendigos”, os milhares de homens e mulheres que sobrevivem à margem do concreto, os sem-teto, realizaram nesta quarta-feira (11) centenas de mobilizações por todo país.

Com mobilizações e ocupações organizadas em 17 estados do Brasil por inúmeras entidades do movimento de moradias populares, os sem-teto iniciaram na manhã desta quarta-feira um dia nacional de protestos. Eles reivindicam maior agilidade no repasse de verbas federais para construção de imóveis populares, a construção de 150 mil casas por ano, a urbanização de favelas e a criação de fundos e conselho estaduais para gerenciar verbas com a participação dos movimentos sem-teto. Os movimentos buscaram apresentar suas propostas às prefeituras, aos governos estaduais e ao governo federal. Hoje o déficit de moradia no Brasil alcança o ultrajante número de 7 milhões de famílias.


 


Prefeitura do Recife foi a única a receber o movimento


 


De todas as cidades do território nacional, a prefeitura do Recife (PE) parece ter sido a única a receber lideranças para ouvir e negociar saídas para o problema da habitação urbana na cidade. A Secretaria de Habitação da Prefeitura e coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) se reuniu e tratou de uma ordem de serviço que beneficiará 144 famílias sem-teto da comunidade da Vila Imperial, instaladas em uma ocupação há sete anos. A informação foi repassada pelo diretor de Planejamento e Articulação da pasta, Onildo Romão.


 


Segundo Romão, uma verba de R$ 5 milhões vai custear obras que garantirão todos os serviços de infra-estrutura ao projeto de habitação a ser executado em dois terreno no bairro do Arruda. “Estamos muito tranqüilos. Estamos dando encaminhamento às obras de acordo com as necessidades dos movimentos populares”, garantiu.


 


Sobre a situação dos sem-teto instalados no Cais de Santa Rita, o diretor disse que a prefeitura solicitou à Justiça a prorrogação da permanência das famílias no antigo depósito da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O adiamento teria o objetivo de dar condições para que a administração municipal agilize uma solução definitiva para a questão. Segundo o movimento, mais de 60 famílias estão temerosas diante da possibilidade de serem obrigadas a deixar a área.


 


Em relação aos sem-teto instalados em Água Fria, Romão adiantou que foi adquirido um terreno para a construção de moradias e que o projeto já foi elaborado e encaminhado para a Caixa Econômica Federal, para a obtenção de recursos.


 


Os anúncios foram uma resposta às mobilizações que o MTST realizou no dia de hoje. O movimento fez um barulho razoável no estado, fechando BRs em vários pontos de Pernambuco. Na BR-232 o congestionamento chegou a 2,5 km. A Organização de Luta pela Moradia Popular (OMLP) fechou o trânsito na avenida Presidente Kennedy, em Peixinhos, Olinda e na Avenida Norte, no Recife. Um ato com o apoio de cerca de 150 famílias moradoras da Vila Imperial ateou fogo em pneus e pedaços de madeira. Outras 200 famílias sem-teto, da comunidade Beira Rio (zona sul do Recife), ocuparam um terreno localizado ao lado do supermercado Carrefour que estava desocupado há 30 anos. Teresa Fázio, filha de um dos proprietários da área, morto há nove anos, disse que vai recorrer na Justiça pelo local, alegando que ali funciona um escritório de representação comercial.


 


De acordo com um dos coordenadores do OLMP, Paulo André de Araújo, a intenção é cobrar dos governos estadual, federal e municipal a efetivação de promessas para que as famílias sem-teto do estado tenham moradia. “Queremos entregar uma pauta de reivindicações em uma audiência com o governador Eduardo Campos para a construção de moradias populares para cerca de duas mil famílias”, reivindicou.


 


São Paulo tem madrugada de sangue e suor


 


Em São Paulo, a manifestação começou na noite de terça-feira (10), com ocupação de imóveis e caminhada. No meio da manhã, os grupos se reuniram na Praça da Sé. Durante toda manhã cerca de 200 integrantes do movimento sem-teto ficaram acampados em frente ao prédio da Caixa Econômica Federal.


 


No centro, os sem-teto fizeram uma caminhada até a Rua Rangel Pestana. Eles querem a desapropriação de um prédio, que seria de propriedade do INSS.  Na Avenida Cásper Líbero, um grupo tentou entrar em um prédio abandonado, mas foi violentamente impedido pela polícia. Já na Praça Roosevelt, os sem-teto ocuparam um prédio por uma hora, até a chegada da tropa de choque. A repressão ao movimento em São Paulo já fez vítimas fatais em outros anos.


 


Durante à tarde um grupo do 150 manifestantes se concentrou em frente ao prédio da Prefeitura, no viaduto do Chá, depois de percorrer a região central da cidade em uma marcha de protesto. Eles reivindicam melhorias na política habitacional do município e mais linhas de crédito para habitação de baixa renda.


 


Segundo a coordenação da União Nacional por Moradia (UNM), o objetivo do movimento é que a prefeitura reveja a situação dos moradores despejados de favelas e ofereça verba de R$ 5 mil e uma alternativa habitacional para cada família que vive em local de risco. A União por Moradia reivindica também a retomada do Bolsa-Aluguel pela prefeitura. O programa está paralisado desde o início do ano. De acordo com a instituição, 1.700 famílias foram prejudicadas com o fim do programa.
A assessoria de imprensa da prefeitura informou que nem o prefeito Gilberto Kassab nem o secretário de Habitação, Orlando de Almeida Filho, receberam os representantes do movimento, nem vão se manifestar sobre as reivindicações.


 


Segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, tanto o prefeito quanto o secretário consideram as manifestações eleitoreiras, de ataque contra o governo estadual, e não reivindicatórias.


 


Em Caieiras, na região metropolitana, dois prédios particulares foram ocupados e no Jardim Sapopemba, na zona leste, houve tentativa de ocupação de um terreno.


 


Outros Estados


 


Em Brasília, cerca de 150 sem-teto acamparam em frente ao Ministério das Cidades. Eles reivindicam melhores mecanismos de acesso a financiamentos de moradias e mais recursos para a habitação.


 


Pela manhã, centenas de sem-teto fizeram uma manifestação em frente ao Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte (MG), para cobrar do governo a realização de programas de habitação popular. De acordo com a União Estadual por Moradia Popular, a coordenação dos sem-teto pediu uma reunião com o governador Aécio Neves que não foi atendida. Em Minas Gerais representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens engrossaram as manifestações.


 


Mais de 150 integrantes da União Nacional por Moradia Popular e do Movimento dos Sem-Teto de Salvador (Bahia) ocuparam a área externa do Hospital Sarah Kubitschek, na Avenida Tancredo Neves – uma das mais movimentadas da capital baiana. “Não é uma invasão propriamente dita, mas uma manifestação”, afirma um dos líderes da União Nacional, Sérgio Bulcão. Para entrar no local, os manifestantes derrubaram parte da cerca que circunda a área – que pertence ao INSS. “Nossa luta é opor avanços nos projetos que já existem, mas que estão parados, como o Crédito Solidário (para a construção de casas populares)”, acrescenta Bulcão. Ele afirma que as manifestações “não tem hora para acabar”.


 


O PAC e a Reforma Urbana


 


Embora a grande mídia não tenha dado visibilidade para a maior e histórica bandeira do movimento, a Reforma Urbana, ela não deixou de ser pautada em nenhuma das manifestações nas cidades e estados.


 


O Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) já tem uma agenda de mobilizações que buscam analisar a questão dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apresentando desafios na construção de um novo modelo de desenvolvimento sustentável, com cidades justas e democráticas.
 


Em linhas gerais, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) vai investir 106,3 bilhões em Habitação e R$ 40 bilhões em Saneamento até 2010. O montante contabiliza recursos oriundos ou geridos pela União, investimentos do setor privado e contrapartida de estados, municípios e mutuários. O PAC também estabelece a aplicação de R$ 3,1 bilhões nos metrôs de Belo Horizonte, Fortaleza, Recife e Salvador.
 


Para 2007, estão previstos investimentos na área da habitação de R$ 27,5 bilhões. Somadas outras iniciativas de cooperação com prefeituras e municípios, no total, serão R$ 106,3 bilhões de investimentos que visam atender 4 milhões de famílias com a construção de casas, aquisição de terrenos, reforma de imóveis, compra de material de construção e urbanização de assentamentos precários. Tudo isso para buscar superar o déficit habitacional de 7 milhões de famílias por habitação.


 


O FNRU admite que do total de recursos para habitação, houve um aumento real no orçamento geral da União, chegando à ordem de 2,6 bilhões por ano, e totalizando 10,1 bilhões em 4 anos. Porém, Em que pese a importância do volume de recursos previstos, o FNRU destaca que os recursos não onerosos são insuficientes para atender as famílias com renda de até três mínimos, o que correspondem a 83% das famílias com déficit habitacional no país.


 


Além disso, o Fórum defende que é preciso garantir que os recursos para habitação popular sejam alocados em um  Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, de forma que sua aplicação seja feita com controle social, acompanhada pelas organizações populares, fortalecendo as cooperativas e associações habitacionais. Há ainda a questão da regularização fundiária e em assessoria técnico, nó principal para o desenvolvimento sustentável de um programa habitacional de larga escala no Brasil, segundo a FNRU.