Gabeira defende prostituição sem reconhecer prostitutas

O deputado federal Fernando Gabeira legisla para as vantagens e os lucros de ter uma casa de prostituição. Mas não quer o reconhecimento de direitos sociais e trabalhistas para as profissionais do sexo. O que pretende, na verdade, é enganar e engabelar

Prostituta


(Roque Tarugo)


 


Pobre moça linda, de pálpebras arroxeadas
Remando no mar da vida
Ofegante namorada
Simulando prazer, pelo prazer de iludir.
Torturando mais uma vez, o sexo insípido
Insensível as estranhas caricias do amante noturno
Tapando com o seu sorriso
Utópica vendendo amor
Tu és a mulher da vida
Amor de um desamor


 


O Projeto de Lei 98, de 2003, de autoria do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), prevê a exclusão dos artigos 228, 229, 231 do Código Penal Brasileiro. O escopo deste artigo é a análise da exclusão do artigo 229:


 


“Artigo 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente.”


 


Nos últimos anos, as prostitutas ganharam sensível notoriedade e dois eventos contribuíram sobremaneira para tal fato. O primeiro contou com proporções nacionais. Referimos-nos ao livro O Doce Veneno do Escorpião, de uma ex-prostituta chamada Raquel, popularmente conhecida como Bruna Surfistinha. A obra retrata as aventuras sexuais nos tempos da profissão com os clientes. O livro figurou por muito tempo na lista dos mais vendidos.


 


Já o segundo evento refere-se à criação da Daspu, uma grife desenvolvida por prostitutas, como consta no próprio site: “Somos prostitutas, reunidas na ONG Davida, que gostamos de moda. Discutimos modelitos, desenhamos, costuramos ou encomendamos as peças. Estamos só começando. Vamos produzir roupas de batalha (rua e casa), de lazer (praia, parques e jardins), de folia (festas e carnaval) e de ativismo (direitos humanos e prevenção de aids/DST)”.


 


O perigo desta projeção é um incentivo deliberado para as meninas se tornarem prostitutas devido a uma falsa ilusão de alcançar o estrelato e a notoriedade. Além disso, arrecadar cifras difíceis de serem obtidas por um emprego mensal com horário fixo.


 


Justamente para estes casos existe o artigo 228 do Código Penal: “Induzir ou atrair alguém à prostituição facilitá-la ou impedir que alguém a abandone”.


 


Amparo legal


 


A profissão de prostituta não pode ser considerada como fácil. Afinal as mulheres são obrigadas a fazerem sexo com todos os tipos de clientes. Desde os mais amáveis aos mais agressivos. E quando da remuneração uma boa parte se esvai.


 


E por quê? Primeiro para pagar a comissão da casa na qual ela amealhou o cliente. E segundo, para pagar pela proteção que eventualmente lhe é prestada. Mesmo assim, ainda lhe sobra um belo erário. Entretanto, para o que nos interessa, falemos do dinheiro arrecadado pelas casas de prostituição.


 


Prostituição não é crime. Não existe qualquer tipificação a respeito no Código Penal Brasileiro. Já as casas de prostituição têm sua prática de funcionamento proibida, como já mencionado no artigo 229 do mesmo diploma legal o Código Penal.


 


Exatamente nesta questão iremos desenvolver nosso pensamento. Se a exploração do trabalho da prostituta é proibido no Brasil, como é possível a conivência pacífica com a sociedade de reconhecidas casas de renome nacional como Bahamas, Café Photo, etc.?


 


Verdadeiros impérios são erigidos em função dessa arrecadação. Mas um problema surge: como legalizar o dinheiro advindo da prostituição?


 


Acidentalmente, ou não, a resposta veio através do Projeto 98 de 26 de setembro de 2003, que em seu preâmbulo prevê expressamente a exclusão do artigo 229 do Código Penal. O curioso é que, na exposição de motivos do projeto, o deputado justifica que já houve reiteradas tentativas de tornar lícita a prostituição.


 


Além disso, segue argumentando que a prostituição é uma atividade contemporânea à própria civilização, embora tenha sido reprimida inclusive com violência e estigmatizada. E como justificativa para a regulamentação o deputado pretende revogar os artigos já citados.


 


Quem é criminoso?


 


Ora, a prática da prostituição não é crime. Incentivar uma moça a ingressar nesta profissão é crime, mas as explorações do próprio corpo não contem sanção alguma.


 


Os únicos apenados são aqueles que exploram em benefício próprio a atividade de outrem. Sendo assim os criminosos são os donos de casas de prostituição e não as prostitutas.


 


Neste caso, a justificação do deputado seria para legalizar as atividades desses proprietários? A nosso ver, sim — porque não será para regularizar a atividade da prostituta. Esta não comete delito algum.


 


E nesta realidade social na qual o dinheiro é o fator motriz imperioso, o fundamental é saber se o projeto regulamenta uma prática hoje ilícita que é responsável por uma grande exploração das mulheres ou se tem como escopo desmistificar a prostituição em si.


 


Os donos de casas de prostituição ficam com uma grande parcela do arrecadado pela profissional do sexo, como denomina o projeto em substituição ao termo popular prostituta. Se o projeto defende estas pessoas, não há que se falar em melhorias às condições de serviço das prostitutas.


 


Estas continuarão a ser exploradas economicamente, mas, com um agravante, porque estarão à mercê de pessoas que desejam explorar a “mão de obra” barata para outros países. Afinal, a única proteção ao tráfico de mulheres o projeto retira do Código Penal.


 


Limites


 


Se o deputado Gabeira pretende favorecer as profissionais do sexo o que deve ser revisto não são os artigos do Código Penal, mas sim o projeto em si que deveria conter um regramento para criar limites à exploração pelos donos das casas. O projeto, para ser autêntico defensor dos direitos sociais e trabalhista, terá de tratar da regulamentação da profissão da trabalhadora do sexo no mesmo patamar dos direitos celetistas dos demais trabalhadores.


 


Com o projeto do jeito como fora apresentado, apenas existe a legalização de capital de uma das atividades ilegais mais rentáveis do Brasil: a exploração da prostituição e lavagem de dinheiro.


 


A questão que permeia o imaginário é: se existe uma sanção a estes estabelecimentos, por que a norma não é aplicada? Gostaríamos que o Projeto 98/03 respondesse às indagações ou se voltasse a tratar o caso na ótica da garantia dos direitos sociais e trabalhistas das profissionais do sexo.


 


O que não podemos é continuar com o mascaramento de não proteger as prostitutas e garantir os seus direitos. O que não desejamos é continuar em uma sociedade hipócrita que finge reprimir a exploração de menores, o trafico das nossas mulheres e os tubarões ficam cada vez mais ricos na exploração da prostituição.


 


O que não devemos é continuar a tapa o céu com peneira e não assumir que essa profissão milenar dela faz parte por opção ou gosto pessoas das diversas camadas sociais.


 


O que precisamos é reconhecer os direitos e proteger as profissionais e consumidores buscadores do prazer do amor reprimido e desenvolver a proteção a saúde de todos na não proliferação de doenças sexualmente transmissíveis.


 


* Roque Assunção da Cruz, o Roque Tarugo, é secretário de Políticas Sociais da CNM/CUT, graduando em Direito e bacharel em Filosofia e Teologia