China quer virar superpotência da música clássica

Conservatórios lotados e investimentos vultosos em salas de concertos mostram apetite asiático pela música erudita. Cerca de 40 milhões de chineses estudam algum instrumento clássico; país domina produção mundial de piano, violino e violão. Leia matéria d

O violinista Yu Zhenyang, 15, tocou o “Concerto” de Mendelssohn de memória, sem dificuldade. Seu professor atravessou a sala, gesticulando com os braços, fingindo um desmaio para demonstrar a necessidade de mais emoção e pedindo a Zhenyang que tocasse com mais paixão. “Você é a voz principal”, disse o professor, Lin Yaoji. “Seja mais ousado! Amplie a distância entre as notas e depois a reduza. Não quero simetria. Surpreenda-me!”


 


Zhenyang é um dos maiores astros do Conservatório Central de Música de Pequim, que nos últimos anos se tornou parte da máquina de exportação chinesa a produzir uma sucessão de virtuoses musicais.


 


Com a mesma energia, ímpeto e peso demográfico que fizeram do país uma potência econômica, a China está se transformando numa força considerável na música erudita ocidental. Os conservatórios estão lotados de alunos. Cidades de província exigem orquestras e salas de concerto. Pianos e violinos fabricados na China lotam contêineres de navios que partem dos portos do país.


 


O entusiasmo chinês sugere o potencial de um mercado crescente para música erudita gravada e apresentações ao vivo, exatamente no momento em que o envelhecimento de sua base de ouvintes e o declínio nas vendas de discos preocupam os profissionais na Europa e Estados Unidos. As vendas de gravações de música erudita no Ocidente são contadas apenas na casa dos milhares, mesmo para os discos mais vendidos, em lugar das dezenas de milhares de 25 anos atrás.


 


Oceano popular


 


Executivos da música erudita dizem que essa forma de arte vem sendo cada vez mais marginalizada num oceano de cultura popular e novas mídias. Cada vez menos ouvintes americanos jovens encontram o caminho da música erudita, em grande parte devido à ausência da educação musical que era generalizada nas escolas públicas duas décadas atrás. Em conseqüência disso, muitas orquestras e salas de concertos têm dificuldade em lotar seus auditórios.


 


A China, com estimadas 30 milhões de pessoas estudando piano e 10 milhões que aprendem a tocar violino, descreve uma trajetória oposta. De acordo com a Associação Chinesa de Músicos, hoje os exames abrangentes de ingresso nos melhores conservatórios atraem 200 mil estudantes por ano, comparados com alguns poucos milhares por ano na década de 1980.


 


A produção de instrumentos musicais também explodiu. Em 2003, 87 fábricas na China produziam instrumentos musicais ocidentais. No ano passado esse número já tinha passado para 142. Essas fábricas produzem 370 mil pianos, 1 milhão de violinos e 6 milhões de violões por ano. A China domina a produção mundial desses três instrumentos.


 


O Partido Comunista, que há três décadas tentava erradicar a música erudita, hoje a considera uma peça essencial da “cultura avançada” que jurou criar para fazer da China uma potência verdadeiramente grande.


 


Um dos sinais mais claros de que a música erudita ganhou a aprovação oficial na China veio de Li Lanqing, membro aposentado do Comitê Permanente do Politburo e ex-ministro da Educação. Li escreveu um tributo longo e elogioso a 50 compositores ocidentais, argumentando que não pode ser um verdadeiro intelectual quem não compreende a música erudita ocidental.


 


O destino das verbas


 


Alguns críticos em relação ao governo dizem que a China equivocou-se ao destinar centenas de milhões de dólares à construção de salas de concertos grandiosas. Para eles, esse dinheiro poderia ter sido mais bem gasto com educação musical e a oferta de concertos a preços mais acessíveis.


 


Quando se trata da construção de salas de concerto, o governo manifesta um complexo que é quase uma mania. Algumas dessas salas são elefantes brancos erguidos às pressas, com pouca atenção dedicada à programação musical ou viabilidade econômica.


 


O Teatro Nacional, como é chamado, já é largamente visto como um desses elefantes, antes mesmo de ser inaugurado. O projeto está com um atraso de quatro anos e, pelas estimativas da imprensa local, extrapolou em pelo menos US$ 100 milhões seu orçamento de US$ 400 milhões.