Sandra Helena – Novidades no front

Chega de tratar nosso povo pobre como imbecil. Temos uma rara oportunidade de medir até onde chega nossa civilidade. Quem está mesmo aí para o Direito?

Há uma incipiente percepção de que o velho modelo policial autoritário e desrespeitoso dos direitos humanos não funciona mais, inclusive para os próprios policiais, tornados alvos preferenciais da violência urbana ou criminosos disfarçados de seguranças. Há discursos sobre a formação dos policiais, estratégias de atuação, tecnologia e controle de informações, participação na vida comunitária, transparência e.. respeito à Lei. Revolução Francesa tardia? Vivi para ver, na TVAssembléia, durante quase 3 horas, uma aula de Iluminismo clássico em plena taba cearense. “Sou um legalista e a orientação que dou a meus subordinados se ancora na Constituição Federal. Não nos igualemos aos delinquentes que infringem a lei. Nossa obrigação é respeitá-la”. Isso deveria parecer banal, mas vindo de quem vem, o Secretário de Segurança Pública e Defesa Social, causa espanto, devia motivar comoção entre os setores ditos esclarecidos da sociedade cearense e angariar irrestrita solidariedade das instituições que se configuram defensoras da ordem jurídica do Estado democrático de Direito, sejam elas quais forem. “Senhor Secretário, Senhor Governador, levamos isso a sério. Há aqui gente disposta não apenas a concordar com suas palavras em seminários sisudos e mesas de bar, mas a agir em defesa do sagrado princípio da igualdade de direitos.” Afinal, cidadania e liberdades civis só se manifestam quando o povo as quer e só duram enquanto subsiste a vontade e disposição de as manter.


 


Onde a polêmica novidade? Na orientação de tratamento digno aos presos sob a guarda do Estado, na restrição à exposição de suspeitos e acusados de crimes através dos meios de comunicação, o que quase não ocupa os noticiários. Motivo: grandes grupos privados de comunicação do Estado possuem programas policiais de TV em que apresentadores e repórteres espetacularizam aquilo que supostamente combatem. Em nome da constitucional liberdade de expressão, reduzida à dogma do mercado midiático, afronta-se a constitucional inviolabilidade da intimidade, honra e imagem de pessoas e cadáveres, divididas em cidadãos de primeira e segunda classe. Não, não se trata de conflito da Carta Magna: a garantia vale sim, para os que a reinvidicam, que o diga o capitão acusado de duplo assassinato em Iguatu, de quem até agora não se têm uma só entrevista ao vivo. É direito dele manter incólume sua imagem, assim como manter-se em silêncio inclusive diante do delegado.


 


Dele e de qualquer outro, vítima ou algoz, pobre ou rico. Esses programas precisam de uma audiência deseducada, desprotegida e conivente com as críticas à ação de agentes públicos cumpridores fiéis de uma lei justa. Ora, então que se discuta a Lei. Chega de tratar nosso povo pobre como imbecil.


 


Temos uma rara oportunidade de medir até onde chega nossa civilidade. Quem está mesmo aí para o Direito? Por onde pautar-se o poder público para construir políticas de segurança cidadãs e integradoras? Pra começo: “deputados-jornalistas-policiais” e afins, explicitam ao suspeito seus direitos, com seriedade e ao vivo, deixando-o livre para decidir sobre a veiculação de sua imagem, lembrando a ele que tudo o que disser poderá ser usado contra ele. Não desista, Secretário. Um pequeno passo para um homem; um passo gigantesco para nossa comunidade.


 



Sandra Helena é professora de Filosofia e Ética da Unifor