''Carta a Danuza Leão'': Por trás do oportunismo da mídia

O jornalista Osvaldo Bertolino é o autor da ''Carta a Danuza Leão'', que foi enviada à colunista da Folha de S.Paulo e ao próprio jornal. Em sua última – e abominável -coluna  para a Folha, publicada neste domingo (1º), Danuza di

Em sua carta, Bertolino – que é colunista do Vermelho – acusa o oportunismo na falácia de Danuza: ''Nesse ambiente que premia sistematicamente a indignação, pouco importando se ela se baseia ou não em fatos, tornou-se regra conferir respeitabilidade à opinião desinformada''.


 


Para o jornalista, a imprensa não tem moral para desqualificar indiscriminadamente o governo federal: ''Por mais defeitos que tenha, por mais problemas por resolver que acumule, o governo brasileiro – incluindo Franklin Martins – é, hoje, infinitamente melhor do que a mídia''. Leia a íntegra do texto.


 


Carta a Danuza Leão


 


Por Osvaldo Bertolino


 


Cara Danuza:


 


Você diz em sua coluna de domingo (1) que está precisando só da opinião de Fernando Gabeira. Mas espero, humildemente, que você também leia a minha. Senão pelo compromisso jornalístico, por uma questão de civilidade. Começo lembrando que há algum tempo a Folha de S.Paulo publicou uma sugestiva carta de um leitor. ''Desculpe, mas acabou a minha capacidade de absorver só notícias negativas. A Folha há muito deixou de praticar um jornalismo investigativo e entrou firme no jornalismo denunciativo, que não leva a nada'', disse ele.


 


O leitor estava comunicando a perda da paciência com um determinado tipo de jornalismo. Ele não é o único. Nem a Folha de S.Paulo é a única publicação a colocar como prioridade de sua estratégia editorial a busca do pior em tudo. É um caso em que se aplica a grande frase de Eça de Queiroz: ou é má-fé cínica ou obtusidade córnea.


 


Esse tipo de política editorial dá cartaz, mas não consegue ocultar algo fundamental: poucas vezes um governo brasileiro teve a sorte de enfrentar inimigos tão desqualificados como os que enfrenta hoje. De fato, um dos trunfos mais poderosos de Lula é o tipo de gente que profere bravos discursos clamando por princípios e pureza, como ACM, Bornhausen, FHC…


 


Assim fica difícil! Munidos de um visto temporário para o mundo da ética, esses personagens só podem levar a opinião pública a uma conclusão: se eles estão contra o governo, este só pode estar certo. Disso decorre uma constatação que vale a pena anotar: a mídia é de fato golpista.


 


Outro exemplo é um entrevista concedida por Gabeira (PV-RJ) – já que você o elegeu como seu único interlocutor nesta questão – à Folha tempos atrás. A linhas tantas, o entrevistador, Josias de Souza, pergunta: ''Se (José) Dirceu fosse preso hoje, o senhor seqüestraria um embaixador americano para libertá-lo?''. Essa formulação pode ser definida como a síntese da mentalidade idiota que prevalece na maioria das redações. 


 


Já Gabeira abusou do que se pode chamar de histrionismo. A gabolice de Gabeira lhe rendeu uma superexposição na mídia e foi elogiada até por colunistas sociais. Gabeira estava sendo conduzido ao picadeiro. O circo não podia parar. Como o deputado Roberto ''Dinamite'' Jefferson praticamente já havia cumprido seu papel, entrou em cena Gabeira e seus traques.


 


Com o clima de fim de festa instalado nas CPIs, puseram o travesso deputado para de vez em quando gritar: ''Lobo, lobo!''. Assim ele mantinha o aparato da direita mobilizado para combater qualquer indício de flagrante nas mal escondidas intenções contra o governo Lula.


 


O que se via na mídia era um panorama de ruínas. Os prognósticos mais tenebrosos eram atirados ao público de todas as formas possíveis – pela televisão, pelas rádios, pelos jornais, pelas revistas, pela internet. (Quem haverá, por exemplo, de esquecer as expressões faciais de pânico indignado de William Wack no Jornal da Globo?) Nesse ambiente que premia sistematicamente a indignação, pouco importando se ela se baseia ou não em fatos, tornou-se regra conferir respeitabilidade à opinião desinformada.


 


Outro exemplo é a carta de José Dirceu aos deputados. ''A mídia me julgou e me condenou no dia em que um deputado corrupto resolveu se vingar por eu ter negado qualquer proteção para livrá-lo do processo que viria'', escreveu Dirceu, referindo-se ao ex-deputado Roberto Jefferson. E conclui: ''Quando a mídia escolhe alguém para crucificar, justa ou injustamente, não há reputação que resista incólume''.


 


Até aí não há novidade: essa mídia serve para isso mesmo. Se alguém está contrariado com alguma decisão do poder público; insatisfeito com o resultado de alguma eleição, seleção, licitação ou critério para qualquer coisa definido por algum órgão de governo; disposto a azucrinar algum desafeto, apenas, esse alguém tem uma avenida aberta pela frente; munido de alguns argumentos – podem ser merecedores de consideração ou pura fanfarronada -, esse alguém pode exercitar suas manobras politiqueiras, barrar o prosseguimento de um processo legítimo que não o beneficiou, levantar suspeitas contra um administrador que não atendeu aos seus interesses ou apenas dar a sua colaboração para atulhar um pouco mais os tribunais do país. O caminho é este mesmo: recorra à mídia.


 


O que se passou no caso Dirceu mostra como é fácil, e isento de quaisquer ônus, atentar contra os fatos por interesses politiqueiros. Devoto daquilo que o cineasta Billy Wilder chamou de Big Carnival (grande carnaval) – filme que no Brasil recebeu o nome de A Montanha dos Sete Abutres e que retrata o caso de um repórter especialista na arte da trapaça -, o noticiário atingiu o auge das previsões tétricas. Nesse tipo de noticiário que culpa o governo por tudo, aparecem os que criticam o presidente da República, os revoltados com o socialismo, com o MST, com a MPB, bem como os insatisfeitos em geral, seja com o campeonato brasileiro de futebol ou com o atraso do trem, a acne juvenil, a aftosa e o bicho-do-pé. Ou seja: tudo é culpa do governo.


 


Esse comportamento não é, absolutamente, irrelevante, porque inclui a mentira. Trata-se de um noticiário – melhor seria dizer bagunçário – que cumpre papel bem definido no jogo político que se estabeleceu no país. Ele serve aos velhos coronéis, muitos deles modernos, que usam os meios de comunicação como arma principal na luta política. E isso tem um perverso efeito colateral: a corrosão do caráter do jornalista.


 


Um jovem que chegue a uma redação e seja confrontado com a realidade cotidiana de trapaças de variadas espécies para a obtenção de notícias – mentiras sobre a natureza da reportagem para conseguir entrevistas e gravadores escondidos para colher flagrantes, para ficar apenas em dois exemplos comuns – é rápida e inevitavelmente engolfado pela frouxidão dos valores. A conclusão é inescapável: por mais defeitos que tenha, por mais problemas por resolver que acumule, o governo brasileiro – incluindo Franklin Martins – é, hoje, infinitamente melhor do que a mídia.


 


Cordialmente,


 


Osvaldo Bertolino


 


Leia abaixo a íntegra da coluna em questão


 



Por favor, me expliquem


 


Por Danuza Leão


 


Eu entendo de algumas coisas, mas de outras confesso minha total ignorância. Do assunto Franklin Martins, por exemplo. Só para começar, o que faz uma pessoa que ganha – e sem nem fazer muito esforço – entre R$ 50 mil e R$ 100 mil por mês, se demitir para aceitar um cargo onde vai passar a ganhar R$ 8.000. Estranho, não?


 


É bem verdade que nesse novo cargo ele vai ser, no lugar de jornalista, ministro, e colado ao poder. Será então vaidade? Ambição?


 


Mas ainda tem mais; a pessoa em questão, Franklin Martins, era dos melhores comentaristas políticos da TV, um homem corajoso, que não deixava de dizer o que pensava em relação ao governo -esse mesmo governo de que agora é empregado.


 


Quem acompanhou os duros tempos da ditadura sabe que quem escreveu a famosa carta aos militares, exigindo a libertação de 15 companheiros em troca da vida do embaixador americano, Charles Elbrick, foi Franklin Martins. Bela carta, aliás. Não passa pela cabeça de ninguém que uma pessoa com aqueles ideais aceite ser porta-voz do governo do presidente Lula, a quem ele nunca poupou. Bela jogada do presidente, aliás.


 


Mas tem mais: além de porta-voz, é ele quem vai cuidar de toda a publicidade do governo. Isso significa que se algum jornal disser alguma coisa que ele ache que não caiu bem, ele tem o poder de cortar a publicidade dos órgãos oficiais -Banco do Brasil, Caixa Econômica, e por aí vai. Não só o poder como o dever, penso eu. Não vamos também nos esquecer de que um dos 15 libertados no episódio do seqüestro do embaixador foi o ex-deputado cassado José Dirceu, que não cansa de mexer seus pauzinhos para ser anistiado, e agora já está metido até em negócios com o etanol.


 


Eu queria que alguém me explicasse se está certo Franklin Martins aceitar esse emprego. Com isso ele joga no lixo sua biografia, o que talvez para ele não tenha a menor importância. Mas para muita gente tem.


 


Eu, uma modesta cidadã, não vou acreditar mais em uma só palavra do que ele disser, e vou ficar de olho nessa história da publicidade oficial, que vai estar nas mãos dele.


 


Até agora não ouvi nem li ninguém falar sobre o assunto, dizer se ele fez bem ou mal em assumir o tal cargo, se ele não deveria ter recusado. Em outros tempos – até umas duas semanas atrás – eu ficaria orgulhosa de ser apresentada a esse homem que teve coragem para tanta coisa.


 


Hoje, mais não. Será que é o passar dos anos que faz com que as pessoas mudem? Ou eu estou completamente errada e ele tinha todo o direito de aceitar ser porta-voz do governo Lula?


 


Preciso que alguém me esclareça, alguém em quem eu acredite, alguém que seja correto, honesto, que não tenha mudado com o tempo. Que tenha conhecido Franklin Martins profundamente, e que possa me explicar o que se passou com ele, se é normal que as pessoas mudem, até para que eu entenda que a vida é assim mesmo, e me conforme com isso, ou se continuo com minhas opiniões, mesmo sozinha, mesmo que talvez errada.


 


E a única pessoa que gostaria que me falasse sobre isso, e na qual eu acreditaria, chama-se Fernando Gabeira. Eles foram companheiros, Gabeira deve entender.


 


Diga alguma coisa a respeito, Gabeira; diga tudo que você acha, Gabeira, porque estou precisando de sua opinião.


 


Aliás, só da sua.