Mais um morre no circo de horrores da Seara/Cargill do MS

Funcionário do setor de higienização e limpeza do frigorífico da Seara/Cargill de Sidrolândia, no interior do Mato Grosso do Sul, Marcos Antônio Pedro, índigena de 29 anos e pai de três filhos, é a mais nova vítima fatal de acidente de trabalho na multina

Marcos morreu na manhã desta quarta-feira (28) ao cair dentro do tanque de resfriamento de frangos (chiller). De acordo com o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação de Sidrolândia (Sindaves), Clodoaldo Fernandes Alves, que é auxiliar de inspeção geral na Seara/Cargill, “Marcos estava fazendo checagem de resíduos no chiller, quando, sem nenhuma segurança, caiu e começou a ser sugado pela espiral (caracol) que puxa os frangos para a água.


 


Quando os mecânicos chegaram, queriam cortar o tanque e tirá-lo por baixo, mas, ao invés disso, o controle de qualidade da empresa determinou que se invertesse o movimento de rotação das espirais. Não deu certo e ele foi praticamente cortado ao meio”, denuncia.


 


Quando as espirais puxaram o trabalhador para baixo, as hélices do chiller fatiaram Marcos vivo, cortando nervos e a coluna. “Estive com a menina que presenciou tudo, ouviu os gritos, foi terrível, Marcos teve ainda a cabeça prensada”, conta Clodoaldo. O ocorrido colocou a cidade de luto e dentro da fábrica, a indignação é geral.


 


Revolta


 


“Há um clima de revolta pois a insegurança dentro da Seara/Cargill é generalizada, não é privilégio de nenhum setor. Apesar do Sindicato ter realizado inúmeras denúncias, até porque os acidentes se multiplicam, a empresa não dá a mínima e ainda faz todo tipo de chantagens e pressões para cima dos companheiros da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes)”, afirma Sérgio Bolzan, presidente do Sindaves e diretor da Federação Estadual dos Trabalhadores da Alimentação do Mato Grosso do Sul.


 


De acordo com Sérgio, nos últimos dois anos, na mesma seção, ocorreram casos semelhantes, felizmente sem óbito. Num deles, o trabalhador perdeu totalmente a panturrilha de uma das pernas, tendo o seu músculo moído.


 


Além de solicitar ao Ministério Público que acompanhe as investigações e exigir medidas que assegurem investimentos na saúde e segurança dos trabalhadores, o Sindicato e a Federação estão dando todo o apoio jurídico para assegurar uma justa indenização à família da vítima.


 


Diante dos repetidos abusos, o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac/CUT) e coordenador do Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST), Siderlei de Oliveira, defende ações e fiscalizações mais rigorosas dentro das unidades da Cargill. “É preciso envolver os Ministérios do Trabalho, da Saúde e da Previdência numa operação conjunta, pois essa multinacional tem alavancado os seus lucros a partir de um ritmo estafante de trabalho, que vem lesionando e mutilando em todo o país. Esta morte infelizmente veio para coroar o circo de horrores que se transformaram os frigoríficos da Cargill, moendo carne humana”, sublinhou Siderlei.


 


Oito metalúrgicos já morreram na BA por falta de segurança no trabalho


 


O acidente na Seara/Cargill não é fato apenas local e inédito. A freqüência com que ocorrem acidentes de grandes proporções nas empresas metalúrgicas da Bahia é alarmante. Depois das duas explosões ocorridas consecutivamente na RDM/Vale do Rio Doce, que feriram sete funcionários em apenas duas semanas, um trabalhador morreu nas instalações da empresa Autometal, em Dias D’Ávila, na Bahia, no início de fevereiro. Edvaldo Ferreira dos Santos, 36 anos, participava da montagem do teto de um galpão industrial quando caiu de grande altura, morrendo instantaneamente. Ele trabalhava para a MSM Manutenção e Montagem, empresa terceirizada pela Autometal.



 


É uma história triste, mas, como se pode perceber, muito corriqueira. Apesar dos riscos envolvidos na atividade que estava sendo realizada, nenhuma das duas empresas – a contratante e a contratada – mantinha no local um técnico de segurança, uma obrigação legal. Além disso, os operários que trabalhavam na fixação do teto não passaram por nenhum treinamento de segurança, mesmo sendo submetidos a uma atividade de alto risco.
 


“É um absurdo o que as empresas andam fazendo. Na ânsia de aumentar seus lucros a qualquer custo, elas simplesmente desprezam qualquer medida de segurança e quem paga é o trabalhador, às vezes com a própria vida”, diz Aurino Pedreira, presidente da Federação dos Metalúrgicos da Bahia (Fetim-BA).
 


De fato, o número de acidentes ocorridos nas empresas do setor metalúrgico baiano tem crescido de forma acelerada, ao mesmo tempo em que elas batem recordes de produção. “Não há um aumento proporcional no número de contratados, o que ocorre é que as empresas passam a exigir mais dos seus funcionários”, explica Pedreira. O resultado é óbvio: quando mais se exige do trabalhador, menor a preocupação com a segurança. Conseqüentemente, ocorrem mais acidentes.
 


Negligência marcou caso da Bahia


 


Edvaldo fazia parte da equipe que montava a estrutura do teto da Autometal. Sem a orientação de um técnico especializado os trabalhadores tomaram as medidas de segurança que lhes pareceram apropriadas. Como não haviam passado por treinamento de segurança, equivocaram-se ao atar seus cintos de segurança em peças móveis.
 


Apesar dos constantes alertas do operador de guincho que auxiliava na montagem – um experiente trabalhador com 24 anos de experiência – sobre o perigo que os operários corriam, os responsáveis pela obra não voltaram atrás. Pelo contrário, ordenaram que o serviço tivesse continuidade. A imprudência foi fatal. A peça em que o cinto de Edvaldo estava preso se soltou. Sem sustentação, ele caiu para a morte.
 


Prontamente, o Sindicato dos Metalúrgicos ofereceu auxílio à família do trabalhador e enviou ofício à Delegacia Regional do Trabalho solicitando a apuração dos fatos. As empresas, por outro lado, negaram qualquer esclarecimento.


 


Resta saber até quando empresas como a Seara/Cargill e RDM/Vale do Rio Doce continuarão impunes à morte de humanos moídos pelas máquinas do lucro.