Fidel rompe silêncio e ataca política de Bush para o etanol

O presidente de Cuba, Fidel Castro, afastado do poder desde o último mês de julho em virtude de problemas de saúde, publicou nesta quinta-feira (29/3) um artigo no jornal Granma, no qual critica a política norte-americana para o etanol.

Segundo o líder cubano, não é correto utilizar alimentos que poderiam matar a fome de bilhões de pessoas em todo o planeta para fabricar combustíveis. Fidel define como “sinistra” a posição do presidente George W. Bush.



Confira abaixo a íntegra do artigo:



Idéia sinistra: converter alimentos em combustíveis



Mais de três bilhões de pessoas condenadas à morte prematura por fome e sede em todo o mundo. Não se trata de uma cifra exagerada; é até cautelosa. Nisso tenho meditado bastante depois da reunião do presidente Bush com os fabricantes de automóveis dos EUA.



A idéia sinistra de converter os alimentos em combustíveis tornou-se definitivamente estabelecida como linha econômica da política externa dos Estados Unidos na última segunda-feira, 26 de março.



Observação do Vermelho: Em seguida, Fidel utiliza trechos de notícia publicada pela agência AP, na qual Bush firma com os empresários do setor automobilístico o compromisso de priorizar a produção de combustíveis alternativos para os EUA.



Penso que reduzir e reciclar todos os motores que consomem eletricidade e combustíveis é uma necessidade elementar e urgente de toda a humanidade. A tragédia não está na redução desses gastos, mas sim na idéia de converter os alimentos em combustíveis.



Hoje se conhece com toda a precisão que uma tonelada de milho só pode produzir 413 litros de etanol, quantia que equivale a 109 galões.



O preço médio do milho nos portos dos Estados Unidos se eleva a 167 dólares por tonelada. São necessários, portanto, 320 milhões de toneladas de milho para produzir 35 bilhões de galões de etanol



Segundo dados da FAO, a produção de milho dos Estados Unidos em 2005 se elevou a 280,2 milhões de toneladas.



Ainda que o presidente fale de produzir combustível a partir de grama ou de derivados de madeira, qualquer um compreende que são frases carentes em absoluto de realismo. Entenda-se bem: 35 bilhões de galões significam um 35 seguido de nove zeros!



Virão depois belos exemplos a respeito a respeito da produtividade por homem e por hectare que alcançam os experimentados e bem organizados agricultores dos EUA: o milho convertido em etanol; os resíduos desse milho convertidos em alimento animal com 26% de proteína; o excremento do gado utilizado como matéria-prima para a produção de gás. Desde logo, isso só ocorre depois de grandes investimentos ao alcance apenas das empresas mais poderosas, em que tudo se move a partir da base de consumo de eletricidade e combustível. Aplique-se essa receita nos países do terceiro mundo e verão quantas pessoas deixarão de consumir milho entre as massas famintas de nosso planeta. Ou algo pior: financiem os países pobres para produzir etanol de milho ou de qualquer outro alimento e não restará uma árvore para defender a humanidade das mudanças climáticas.



Outros países do mundo rico têm programado usar não apenas milho, mas também trigo, sementes de girassol e de outros alimentos para a produção de combustível. Para os europeus, por exemplo, seria negócio importar toda a soja do mundo a fim de reduzir o gasto em combustíveis de seus automóveis e alimentar a seus animais com os resíduos dessa leguminosa, especialmente rica em todos os tipos de aminoácidos essenciais.



Em Cuba, o álcool se produzia como subproduto da indústria açucareira, depois de se fazer três extrações de açúcar do suco da cana. A mudança de clima já está afetando nossa produção açucareira. Grandes secas se vêm alternando com chuvas recordes, que apenas permitem produzir açúcar durante cem dias com rendimentos adequados, nos meses de nosso muito moderado inverno, de modo que falta açúcar por tonelada de cana ou falta cana por hectare devido às prolongadas secas nos meses de plantio e cultivo.



Na Venezuela, tenho entendido que usariam o álcool não para exportação, mas sim para melhorar a qualidade ambiental de seu próprio combustível. Por isso, independentemente da excelente tecnologia brasileira para produzir álcool, em Cuba o emprego de tal tecnologia para a produção direta de álcool a partir do suco de cana não constitui mais que um sonho ou um desvario dos que se iludem com essa idéia. Em nosso país, as terras dedicadas à produção direta de álcool podem ser muito mais úteis na produção de alimentos para o povo e na proteção do meio ambiente.



Todos os países do mundo, ricos e pobres, sem exceção alguma, poderiam economizar milhões e milhões de dólares em combustível simplesmente mudando lâmpadas incandescentes por lâmpadas fluorescentes, algo que Cuba levou a cabo em todos os lugares do país. Isso significaria um respiro para resistir à mudança climática sem matar de fome as massas pobres do mundo.



Como se pode observar, não uso adjetivos para qualificar o sistema e os donos do mundo. Essa tarefa já é feita de forma excelente pelos especialistas em informação, pelos homens de ciências socioeconômicas e pelos políticos honestos que no mundo abundam e que constantemente mudam o presente e o que está por vir em nossa espécie. Basta para isso um computador e o crescente número de redes de Internet.



Hoje conhecemos pela primeira vez uma economia realmente globalizada e uma potência dominante no terreno econômico, político e militar, que em nada se parece com a Roma dos imperadores.



Alguns se perguntarão por que falo de fome e sede. Respondo: não se trata da outra face de uma moeda, mas sim de várias faces de outra peça, como podem ser um dado com seis faces ou um poliedro com muito mais faces.



Recorro neste caso a uma agência oficial de notícias, fundada em 1945 e geralmente bem informada sobre os problemas econômicos e sociais do mundo: a TELAM (Agência de Notícias da República Argentina).



Observação do Vermelho: Aqui, Fidel utiliza uma notícia que trata da iminente escassez de água potável em todo o planeta. Em apenas 18 anos, cerca de dois bilhões de pessoas viverão em países e regiões onde a água será um recurso de difícil acesso, graças ao descaso cometido nas últimas décadas em relação à preservação ambiental.



Deixo de mencionar neste caso outros importantes acontecimentos, como as geleiras que se derretem na Groenlândia e na Antártica, os danos na camada de ozônio e a recente quantidade de mercúrio em muitas espécies de peixes de consumo habitual.



Há outros temas que podem ser abordados, mas simplesmente pretendo com essas linhas fazer um comentário sobre a reunião do presidente Bush com os principais executivos de companhias automotoras norte-americanas.



Fidel Castro
28 de  março de 2007.