Livro se opõe a Harry Potter para enaltecer cultura nacional

Escola de Sacis valoriza elementos fantásticos populares da cultura brasileira em contraposição à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, cenário das aventuras do bruxo britânico Harry Potter. Por Betania Libanio Dantas de Araújo

Não é de hoje que a luta pela identidade cultural brasileira passa pela discussão da valorização de nossos mitos fantásticos populares em contraposição às figuras lendárias e aos hábitos festivos estrangeiros.


 


O exemplo mais bem acabado desta oposição talvez seja a adoção do dia 31 de outubro como o Dia do Saci e Seus Amigos, numa clara intenção de criar o contraponto de defesa da tradição cultural brasileira no mesmo dia em que é comemorada a festa estadunidense do Halloween, o Dia das Bruxas, macaqueada em todo país por meio das escolas de idiomas e algumas escolas particulares de ensino regular.


 


Assim também, algumas publicações, desde os tempos em que Monteiro Lobato ainda fazia sucesso, ocupam-se do tema e da luta. É o caso do recente Escola de Sacis, de autoria de Djota Carvalho, lançado pela editora Dentro da Caixa Publicações.


 


Contra Harry Potter


 


O livro traz, já na orelha, a seguinte afirmação: “Se você acha que magia é coisa de bruxo inglês, então está na hora de voltar para a escola!”, já anunciando um esforço de valorização do mito brasileiro em contraposição ao sucesso editorial e cinematográfico que se constituem as histórias de Harry Potter, o jovem bruxo que, criado pela autora inglesa J. K. Rowling, espalhou-se pelo planeta como sucesso incondicional junto aos públicos infanto-juvenil e adulto.


 


Djota Carvalho desconstrói a figura lendária do Saci-pererê e, numa bela ficção, atribui novos sentidos aos personagens lendários da nossa cultura popular ao passo que reconstitui os seus primeiros sentidos de origem. Um mérito imediato da obra é o de retirar os personagens lendários de seu estado de dicionário, ampliando a sua rede de atributos.


 


O enredo


 


Samanta descobre aos 13 anos que é uma saci. Teleportada para o interior de um bambu, habitação sacízica, passa a viver e estudar numa escola de sacis. Certa vez, a escola é sabotada e a menina descobre o culpado. O livro usa e abusa de bom humor, criatividade e relaciona fatos do nosso dia-a-dia com o espaço da lenda.


 


Parodia Harry Potter destruindo os lugares-comuns do livro estrangeiro. Temos como heroína uma menina, brasileira, adotada, no meio do nosso universo brasileiro. Quando Samanta descobre que Saci-pererê pode ficar invisível pergunta se precisa usar capa. Mas logo descobre que, no Brasil, saci fica invisível por conta própria, capa só é usada por povos inferiores em magia.


 


Na mente altamente fértil de Djota, a imagem do Saci-pererê negro de uma perna só é um erro. No passado, Dito Babosa encontrou-se com Monteiro Lobato e, na tentativa de ficar invisível, só conseguiu invisibilizar uma perna. Dito Babosa é negro, mas na verdade existem sacis brancos, negros, loiros, orientais… numa deliciosa celebração à diversidade étnica e cultural.


 


Os sacis nos fatos históricos


 


O livro ilustrado por Bira Dantas traz ainda interessantes notas de rodapé com esclarecimentos sobre questões “técnicas” que dão ao leitor mais informações sobre o fictício mundo dos sacis. Para compor as notas, DJota não só criou livros de autores fictícios (ou nem tanto…) – como o gênio do marketing e curupira Duda Mão-de-Onça – , como também se apoderou de fatos reais que dão graça e verossimilhança à história.


 


Desta forma, entre outras coisas, o leitor fica sabendo que os sacis têm a ver com a existência de água em Marte, o famoso acidente de Rosswell e até mesmo o gol tomado por Barbosa, o goleiro da seleção brasileira de 1950. E a protagonista Samanta, uma saci em formação, descobre a certa altura que pode ter sido responsável pelos ciclones que atingiram Criciúma (SC) e Indaiatuba (SP), por exemplo.