Economia britânica ainda usa trabalho escravo, diz ONG

Diversos setores da economia britânica ainda usam mão-de-obra escrava, denunciou a organização Anti-Slavery International, com sede em Londres, em um relatório elaborado para marcar os 200 anos da lei que proibiu o tráfico de escravos no Império Britân

Nessa escravidão contemporânea, cidadãos do leste e do centro da Europa, do sudeste asiático e da América do Sul — inclusive brasileiros — são atraídos com promessas de emprego e acabam submetidos ao trabalho forçado sem rendimento ou com salário muito abaixo do mínimo.



Ao desenhar o mapa da escravidão no Reino Unido, a ONG disse que, embora grande parte do tráfico de pessoas tenha como finalidade a exploração sexual, milhares são exploradas em atividades como a colheita de frutas, em fábricas de processamento de alimentos e no serviço doméstico.



Se há mais de 200 anos, o transporte de escravos gozava de proteção legal, hoje, os traficantes usam rotas regulares de migração e de concessão de vistos de trabalho.



“Eles usam a servidão por dívida, a remoção de documentos e o desconhecimento dos imigrantes de seus próprios direitos para sujeitá-los ao trabalho forçado”, diz o relatório da ONG.



De acordo com a OIT, trabalho escravo é aquele de caráter degradante, realizado sob ameaça ou coerção, e que envolve o cerceamento de liberdade. Nem todo trabalho forçado – como o de presidiários em determinados países – tem essas características.



Ainda que não se vejam mais correntes, na escravidão contemporânea, assim como na colonial, um “empregador” tem total controle sobre o trabalhador, tratando-o como uma “propriedade”.



Imigração e Escravidão



A ONG baseou sua análise qualitativa em entrevistas, relatórios e 27 casos de escravos libertados no Reino Unido. Todos haviam chegado ao país pelo caminho do tráfico.



“Não é coincidência que o crescimento do tráfico aumente com a demanda por mais trabalhadores migrantes no mundo”, disse a Anti-Slavery.



“A falta de oportunidades para a migração regular, e o fato de muitos imigrantes buscarem no exterior um meio de sobrevivência — mais do que um meio de melhorar suas vidas — lhes deixa poucas opções a não ser confiar em traficantes para conseguir trabalho.”



Entre as vítimas estão homens e mulheres do leste europeu que trabalham em fazendas de cogumelos, colheitas de frutas e vegetais, e na cadeia de processamento de alimentos.



Brasileiras, colombianas e paraguaias são exploradas, principalmente, como faxineiras, e paquistanesas, indianas e bengalesas, entre outras do sudeste asiático, são coagidas a trabalhar como empregadas domésticas.



Quadrilhas organizadas controlam búlgaros, romenos e ucranianos obrigados a bater carteiras e furtar supermercados.



Curiosamente, a ONG observou que a maioria dos trabalhadores havia entrado no país legalmente. Uma vez dentro das fronteiras, passou a sofrer coerção, sobretudo através da remoção do passaporte.



Entre 2001 e 2003, metade de cerca de mil trabalhadores domésticos atendidos pela ONG Kalayaan haviam tido passaportes apreendidos pelos empregadores.



Sem ter, muitas vezes, o domínio do inglês, desconhecendo seus direitos e permanecendo isolados da sociedade, os escravos acabam vulneráveis.



'Sentimento de traição'



Petr Torak, imigrante tcheco que virou policial comunitário em dezembro do ano passado, se depara com exemplos como esses todos os dias.



“Os chefes de gangue do Leste Europeu vão às cidades da República Tcheca e abordam sem-tetos na rua. Eles oferecem um lugar para morar e um trabalho decente aos que vierem ao Reino Unido”, relata o policial.



“Ao chegar aqui, os imigrantes têm seu passaporte retido pelos patrões. Trabalham seis ou sete dias por semana, em indústrias como a de processamento de alimentos, e moram normalmente com mais três ou quatro pessoas no mesmo quarto.”



“Eles comem feijão em lata, pão barato, e recebem 5 libras por semana (o salário mínimo britânico é de 5 libras por hora). E são obrigados a trabalhar. Isso é escravidão”, diz Torak.



Apesar das condições desumanas, quando os imigrantes são descobertos pelas autoridades, seu caso é normalmente tratado como de imigração ilegal, e não como escravidão, criticou a Anti-Slavery.



A entidade defende que, em vez de correr o risco de deportação, os imigrantes descobertos em situação de trabalho forçado sejam autorizados a permanecer no Reino Unido até receber o pagamento por seus direitos trabalhistas.



Controle de fronteiras



O governo britânico reconheceu que não tem “provas suficientes” para identificar “a escala do problema”.



“Uma das dificuldades é distinguir entre subemprego e trabalho forçado. Muitas vezes, o trabalho forçado permanece oculto no seio de famílias e de comunidades, dificultando a identificação”, justificou o governo em um texto que faz parte de um plano de combate ao tráfico lançado pelo Ministério do Interior britânico nesta sexta-feira, 23.



Entre os pontos está a criação de uma agência voltada para o tráfico de pessoas, o controle das fronteiras dentro da dinâmica das redes de tráfico, e cooperação com polícias de outros países.



O ministro britânico do Interior afirmou que o tráfico de pessoas “é um crime horrível”.