Líder uruguaio fala da presença da Juventude no governo Vásquez

A União de Jovens Comunistas (UJC) uruguaia faz parte efetiva do governo de seu país, com presença atuante na Secretaria de Juventude, órgão instituído em 2005 pelo presidente Tabaré Vásquez. Para Fernando Sosa, secretário de Relações Internacionais

De passagem pelo Brasil, Sosa conversou com o Vermelho na última quarta-feira (21/3). Durante o bate-papo, o dirigente falou sobre o papel da juventude no Uruguai, no governo e na Frente Ampla (a coalizão de partidos progressistas que chegou ao poder há dois anos), defendeu a necessidade de os estudantes se unirem em toda a América Latina, destacou a importância do Mercosul e não se furtou em opinar a respeito de temas delicados, como a relação de seu país com os Estados Unidos e as eventuais falhas cometidas por Vásquez nessa primeira fase de seu mandato.


Confira abaixo algumas das impressões de Sosa: 


 


Sobre a juventude no poder


“A UJC no Uruguai faz parte efetiva do governo, pois está à frente da Secretaria de Juventude. Nos vemos com a tarefa de escolher e estabelecer o equilíbrio entre o que vem a ser o trabalho feito pelo governo e o papel representado pelo movimento estudantil no país. Assumimos em março de 2005, como uma parte das novidades que chegaram ao governo.


 


Há espaço também dentro da Força Ampla, onde há temos a Comissão Nacional de Juventude, formada por membros de todas as suas organizações políticas. Há sim um espaço político, mas ainda falta muito, pois não há uma tradição política no país de dar espaço aos jovens, com mais prioridade aos temas da juventude. Felizmente estamos construindo isso, pois é comum dizerem que o Uruguai é um país de velhos.


 


Existe outro problema também: com a crise que houve no país no começo da década, se foram do Uruguai mais de 150 mil jovens – isso num país de três milhões de habitantes é muita gente. Em nível institucional, temos consciência de que nos falta uma quantidade maior de participantes, que necessitamos de colaborações de todos. Estamos tentando neste momento unir a juventude com os movimentos sociais, para criarmos um espaço onde se discuta políticas para juventude, o problema das moradias, trabalho, educação, esporte, no sentido de dar respostas ou ao menos de encaminhar as demandas que nos chegam, de modo a servir como um canal direto junto ao Estado, no sentido de acelerar e viabilizar essas necessidades. Apesar disso tudo, das dificuldades, não é pouca coisa.”


 


A juventude na América Latina


“A análise do atual papel da juventude depende de muitos coisas, depende do lugar específico a respeito do qual estamos tratando. Na parte mais ao Sul, a presença de estudantes é muito forte. Na parte andina isso também ocorre, mas lá o papel desempenhado pelos movimentos indígenas – assim como aqui no Brasil há os trabalhadores rurais – também se destaca muito.


 


A participação da juventude na política sem dúvida tem sido boa, especialmente dos representantes de esquerda da juventude. Elas vêm assumindo o momento histórico que estamos vivendo, pois muitos de nós somos filhos de pessoas que viveram a ditadura – e isso é um período que marcou muito, pelo menos no Uruguai.


 


No entanto, creio que ainda falta muita participação, muitas mudanças. O movimento estudantil é fundamental. Avançamos muito, especialmente no que diz respeito à infra-estrutura na região e em nossa integração – nesse sentido, o papel da Oclae [Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes] é muito importante para isso –,  assim como pelo direito à educação e na luta contra o imperialismo.


 


O que nos une hoje é uma necessidade inerente de união na região. A saída é agirmos em conjunto. E eu creio que os jovens da região têm consciência desse momento, que é de aprofundar as mudanças.”


 


Bush no Uruguai, Mercosul e os movimentos sociais


“Infelizmente eu não estava em Montevidéu na semana em que Bush estava no Uruguai, mas tenho os relatos dos companheiros que participaram ativamente das manifestações. Posso falar, no entanto, dos antecedentes da chegada de Bush.


 


As manifestações foram enormes, com muita gente jovem, com grande repercussão. Isso acabou provocando muitas coisas, ele foi muito questionado, a imprensa ajudou muito, muitos deputados também. Nossa ministra Marina Arismendi [membro do  PC uruguaio e titular da pasta do Desenvolvimento Social do país] trabalhou como uma militante, repudiando totalmente a visita.


 


O governo deu mostras claras de que seu interesse no comércio com os Estados Unidos é crescente. Não podemos negar que os EUA são os melhores compradores e os melhores pagadores do mundo, e nós, como uma nação com problemas econômicos, não podemos deixar de conversar com eles. Mas temos claro que isso não pode ser condicionado à política do país – nem a internacional e tampouco a nacional. É importante deixar claro que, quando se propõe o TLC (que ainda está em discussão no Parlamento, graças a uma discussão encabeçada pelo Partido Comunista e de grande repercussão nos movimentos sociais), precisamos conversar com o Mercosul sobre essa possibilidade. Creio que isso provoca também um certo ruído, um certo desentendimento com o governo brasileiro, que não concorda com esse posicionamento do governo uruguaio.”


 


Integração regional


“As assimetrias são enormes e temos que diminuí-las. Acredito que, por haver muita vontade das pessoas envolvidas na região, haverá um entendimento. O mais importante é que no Uruguai temos uma idéia clara, proclamada para chegarmos à Presidência: país produtivo, com justiça social. Somos um país que se desenvolveu com uma monocultura, como um produtor de carnes, e que está tentando há 15 anos ser um prestador de serviços, que é o discurso da direita e dos setores neoliberais. Estamos tratando de mudar isso. Na prática, isso significa um investimento muito grande na economia interna, nos pequenos produtores, nas cooperativas, com muito incentivo.”


 


Falhas e virtudes do atual governo


“Em minha opinião, temos que ver primeiro quais as conquistas que temos obtido. Tivemos grandes avanços, por exemplo, em relação aos direitos humanos, com destaque para a questão dos desaparecidos da época da ditadura, com papel destacado para o Partido Comunista nesta questão.


 


Há também a questão da política econômica. Nessa primeira etapa, não movemos um milímetro do que vinha sendo feito, e só aos poucos vamos buscando uma outra saída. Felizmente vejo que a Força Ampla tem conseguido aplicar políticas mais voltadas à esquerda e, por isso, vejo o atual governo como algo positivo. Isso não é um discurso de conformismo, pois algumas demandas foram atendidas. Mas há esperança, há um grande nível de limpeza, com pouca corrupção, e isso dá um respiro, um moral, um acúmulo respeito muito bom, que renova as forças para os próximos anos.”