Financial Times: Washington se inquieta com Banco do Sul

Texto publicado na edição desta sexta-feira (23/3) do jornal inglês Financial Times mostra como o projeto do Banco do Sul, encabeçado pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, tem preocupado instituições como o BID e até mesmo o governo norte-amer

A reportagem, assinada por Richard Lapper, lança a seguinte condicional: o Banco do Sul só se transformará num “problema” real para os Estados Unidos se o Brasil aderir de corpo e alma ao projeto. Para o jornal, enquanto apenas Chávez e o presidente argentino Néstor Kirchner estiverem bancando a iniciativa, não há possibilidade de o Banco se tornar um contraponto às tradicionais instituições financeiras norte-americanas.



Confira abaixo a íntegra do texto:



Washington se inquieta com banco pioneiro de Chávez



Até recentemente, poucos levavam a sério a idéia do presidente Hugo Chávez de criar um novo banco sul-americano de desenvolvimento para concorrer com as principais instituições de empréstimos do continente.



Mas esta semana, depois que o ministro das Finanças da Venezuela prometeu que o proposto Banco do Sul começará a distribuir empréstimos já no próximo ano, com apoio de Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai e possivelmente Nicarágua e Brasil, os credores multilaterais tradicionais estão encarando a possibilidade de um concorrente.



Venezuela e Argentina há muito tempo reclamam do que consideram uma dominação americana das instituições multilaterais de empréstimos no hemisfério ocidental, e querem maior controle do desenvolvimento da região. “O sul precisa cuidar de seus próprios problemas”, disse um importante banqueiro argentino.



Oficialmente seus dois rivais potenciais, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – em que os EUA têm participação de 30% – e a menor Corporação Andina de Fomento (CAF), aprovaram a medida, afirmando que com bastante dinheiro em circulação e muitas necessidades prementes de infra-estrutura e sociais haverá muitos negócios.



Mas em particular há temores. Uma fonte interna do BID disse que o novo banco poderá aumentar as divisões regionais que surgiram em conseqüência da radicalização da Venezuela e o crescimento de um campo antiamericano reforçado desde o ano passado pelas eleições na Bolívia, Equador e Nicarágua.



Ele diz que o Banco do Sul, especialmente se o Brasil aderir, representaria a maior ameaça ao BID desde que a América Latina sofreu uma série de moratórias da dívida na década de 1980. “Com o dinheiro da Venezuela e a vontade política da Argentina e do Brasil, esse banco poderá ter muito dinheiro e uma abordagem política diferente. Ninguém dirá isso publicamente, mas não gostamos dele.”



Ele teme que a multilateral baseada em Washington possa, num pior cenário, ser reduzida a uma instituição apoiada principalmente pelos EUA e seus aliados regionais mais próximos, México e Colômbia.



Apoiado inicialmente pela Argentina e três países menores – Equador, Paraguai e Bolívia –, o novo banco terá um capital básico de US$ 7 bilhões: quantia que provavelmente será financiada por contribuições consideráveis das reservas internacionais combinadas da Argentina e da Venezuela.



Isso se compara ao capital integralizado de US$ 4 bilhões e US$ 3,7 bilhões detidos atualmente pelo BID e a CAF respectivamente, embora o BID também possa utilizar recursos de mais de US$ 100 bilhões. O governo radical da Venezuela e seus seguidores usaram a conferência anual do BID esta semana na Cidade da Guatemala para apresentar seus planos.



Rodrigo Cabeza, ministro das Finanças da Venezuela, disse à reunião que “comissões técnicas” se reunirão na Argentina, Caracas e Equador nas próximas semanas e terão um plano final pronto até o fim de junho.



Cabeza também estava otimista de que a Nicarágua e, mais importante, o Brasil, que já foram mornos em relação à idéia, se unam ao banco. Empréstimos para os setores de educação e saúde na Bolívia foram identificados como primeiras prioridades. “Vai acontecer”, disse Cabeza. “Ele nos permitirá dispensar as condições que as multilaterais [como o BID e o Banco Mundial] vinculam aos empréstimos. Ele vai aprofundar a integração financeira e econômica.”



Uma questão crucial será se o Brasil entrará na nova instituição. Esta semana, o ministro do Planejamento do Brasil, Paulo Bernardo, disse que “um reforço significativo da CAF” seria “talvez a melhor alternativa” ao Banco do Sul, acrescentando que a base de custos relativamente baixa da CAF, assim como a sua agilidade, aumentam suas atrações.



A CAF recebeu recentemente o Brasil como acionista; um compromisso que acrescentará mais de US$ 1 bilhão a seu capital integralizado. A Argentina deverá fazer um compromisso semelhante com a CAF, adicionando mais US$ 600 milhões. Argentina e Venezuela também continuarão sendo grandes mutuários do BID, disse uma autoridade do banco.



Mas segundo outras fontes do BID o Banco do Sul poderá complicar seriamente os desafios enfrentados por seu presidente, Luis Alberto Moreno, o ex-diplomata colombiano que assumiu a liderança com o apoio dos EUA há 18 meses.



Um dilema que o BID enfrenta é como encontrar um novo papel numa era em que é menos necessário fornecer estabilidade macroeconômica e mais promover atividades do setor privado em menor escala.



Os crescentes preços das matérias-primas e uma enxurrada de liquidez internacional permitiram que a maioria dos países da região acumulasse grande superávit de conta corrente, reforçassem suas reservas e evitassem a dependência das multilaterais de Washington.