O papa vem aí; ´IstoÉ` vê ''ressurreição do catolicismo no Brasil''

Por Bernardo Joffily
A um mês e meio de acontecer, a visita do papa Bento XVI ao Brasil já opera milagres. Depois da revista Época, agora a revista IstoÉ, na matéria de capa da edição deste fim de semana, agarra-se a ela com fervor. E

A devoção da IstoÉ tem seus motivos. A revista foi palco de uma greve de jornalistas, contra o atraso no pagamento dos salários. Entrou em março em meio a rumores de venda da empresa, a Editora Três, talvez ao Banco Opportunity, de Daniel Dantas. Quem sabe espera que a fé a ajude a sair do aperto.



Um prolongado declínio



A reportagem não chega a operar o que promete na capa. Vê-se forçada a citar o encolhimento dos católicos brasileiros em quase dez pontos percentuais, de 83,3% para 73,8%, entre os Censos Demográficos de 1991 e 2000. Quanto à volta dos jovens às igrejas, limita-se a citar os shows de func e techno promovidos por artistas cristãos mas dirigidos expressamente ''para os jovens que não freqüentam as missas''.



A ressurreição fica para o futuro. O ''um movimento consistente e acelerado'' de retomada da força católkica tem como ''ponto alto'' prometido a visita do papa ao Brasil, de 9 a 13 de maio que vem, e a canonização de Frei Galvão, anunciado na revista como o primeiro santo brasileiro.



O que é apresentado como sintoma de retomada de força é mais provavelmente uma reação de Roma a uma continuada perda de fervor e de ovelhas em seu rebanho brasileiro. Os números citados na revista mostram apenas a ponta do iceberg.
A porcentagem de católicos na população chegava a 95,0% no Censo de 1940. Isto significa uma migração religiosa de mais de 40 milhões de pessoas em seis décadas, um fenômeno possivelmente sem igual a não ser em países que viveram guerras ou ocupações estrangeiras.



O número de sacerdotes católicos reflete o fenômeno. Em 1964 eles eram pouco mais de 13 mil; no ano passado haviam se reduzido para pouco mais de 10 mil. Em 64, havia um sacerdote católico para 6,2 mil habitantes; 42 anos mais tarde, o índice é de um para 18,6 mil. Na Itália, a proporção é de um para mil; nos Estados Unidos, de um para 6,5 mil e na Alemanha de um para 4,5 mil (embora o catolicismo seja minoritário nos dois últimos países). O índice brasileiro é o mais rarefeito do mundo entre os países predominantemente católicos.



Roma se preocupa



O fenômeno preocupa Roma desde antes da entronização do cardeal Ratzinger no trono de Pedro. Em 2002 levou à canonização de Santa Paulina, nascida na Itália mas brasileira desde os nove anos de idade. Agora, traz o papa para canonizar Frei Galvão, paulista de Guaratinguetá.



Visto de Roma, o catolicismo brasileiro parece inspirar tanto cuidados como desconfianças. A começar pela magra lista de santos, que chegará a dois em maio, contra cinco no Peru, 11 no Canadá, 13 no México e 15 nos Estados Unidos, para não falar dos mais de 200 franceses, ou dos mais de mil italianos.



Agora Bento XVI vem ao Brasil, seguindo as pegadas de João Paulo II, que aqui esteve por três vezes (em 1980, 1991 e 1997, afora uma escala no Aeroporto do Rio). Mas não usará o papamóvel deixado por seu antecessor em Brasília em 1997, considerado obsoleto. No século 21, os veículos papais são blindados: o que será usado é uma adaptação do Mercedes-Benz ML 430, a prova de granadas, fuzis AK 47 e metralhadoras calibre 12,7 mm.



Silêncio sobre a ''praga'' do 2º casamento



A visita papal ainda encontrará os ecos do documento da terça-feira passada (13), em que o sumo pontífice condena o segundo casamento como ''uma verdadeira praga'', além de defender o celibato sacerdotal, as missas com latim e canto gregoriano. No mundo e no Brasil o conservadorismo papal foi rejeitado pela maioria, inclusive dos católicos.



A reportagem da IstoÉ silencia piedosamente sobre o tema. Apenas no último parágrafo empresta a palavra a um especialista leigo em sociologia da religião, Lísias Negrão, que também cautelosa e genericamente recomenda que ''será necessário fazer concessões em questões como a reprodução humana e a sexualidade”.