Empresas que não voam mantêm áreas ociosas nos aeroportos

Por André Siqueira, na Carta Capital
Qualquer passageiro obrigado a encarar as filas, comuns nos últimos meses, para fazer o check-in no Aeroporto Internacional de Guarulhos estranha a grande quantidade de balcões fechados, adornados pela band

O transporte aéreo cresce no Brasil a altas taxas, mas a infra-estrutura ainda não decolou na mesma velocidade. A redistribuição dos espaços subutilizados seria um atalho na corrida para reduzir as carências de empresas e passageiros, enquanto as obras de ampliação dos terminais começam a deixar o papel. Mas um novelo de recursos jurídicos dificulta a retomada das áreas. “As empresas têm o direito de ressuscitar, mas não de deixar meses ou anos a fio uma instalação parada, em detrimento do interesse público”, diz o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira.



O volume de passageiros transportados pelas companhias aéreas cresceu 13,4% nos dois primeiros meses do ano, enquanto a oferta de assentos foi elevada em 14%. Os dados, divulgados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na terça-feira 13, mostram que TAM e Gol respondem hoje, juntas, por 86,48% do mercado doméstico e 77,56% do internacional. A Varig, durante décadas a maior companhia aérea do Brasil, teve a participação reduzida a 4,55% do fluxo de passageiros dentro do País e a 12,63% para o exterior. Há um ano, a empresa detinha 72% do tráfego internacional.



Apesar da queda na participação, a Varig conseguiu manter a estrutura de uma grande companhia. A parte operacional foi leiloada em julho de 2006, dentro do processo de recuperação judicial que a dividiu em duas e deixou as dívidas no antigo CNPJ. Mas só em dezembro foi emitido o Certificado de Homologação de Empresa de Transporte Aéreo (Cheta) para a nova Varig. Durante cinco meses, justamente quando o sistema entrou em crise por falta de estrutura, as instalações permaneceram intocadas. Ou seja, a ociosidade das instalações também se explica pelo descompasso entre as necessidades do setor e a burocracia estatal.



O caso da Varig talvez seja o mais grave por incluir autorizações para pousos e decolagens, os chamados slots, que, se não são utilizados, reduzem o número de vôos em um aeroporto. Desde a obtenção do Cheta, a Varig passou a contar com um prazo de 30 dias para reocupar o espaço no mercado doméstico, e outros 180 dias para a área internacional. Do contrário, os slots podem ser redistribuídos.



A companhia priorizou as operações a partir de Congonhas e conseguiu recuperar 124 dos 125 slots que detinha no aeroporto. Para voltar a crescer na área internacional, a última aposta é uma parceria com a chilena LAN Airlines, que divulgou o aporte de 17,1 milhões de dólares na operação brasileira. “Só poderemos anunciar a estratégia depois do entendimento entre as duas empresas. Espero que isso aconteça ainda neste semestre”, diz o presidente da Varig, Guilherme Laager. Até lá, os passageiros que se conformem com as filas nos guichês da concorrência.



Para o presidente da Infraero, o caso da Vasp é outro grave problema, porque a empresa, embora esteja no chão desde janeiro de 2005, também obteve o amparo da Lei de Falências. Algumas das melhores áreas em Congonhas e em outros grandes aeroportos continuam sob posse da companhia, embora vários tenham sido retomados pela Infraero. Um exemplo é o do prédio onde está instalada a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), junto ao Aeroporto de Brasília, que foi entregue pela Vasp à estatal em troca do abatimento de dívidas.



O plano de recuperação aprovado pelos credores da Vasp em julho de 2006 contabiliza 4,7 bilhões de reais em ativos em nome da empresa, ante uma dívida total de 3,3 bilhões de reais. O patrimônio líquido seria positivo, se boa parte não fosse objeto de uma acirrada disputa judicial em andamento contra a Infraero. “A Vasp quer utilizar ativos da União como se fossem privados”, acusa o brigadeiro Pereira. Procurado por CartaCapital, o administrador da Vasp, Roberto de Castro, não quis comentar.



No caso da Transbrasil, ainda existem várias áreas em disputa, mas o exemplo mais gritante é o do hangar de Congonhas. Quem aterrissa na pista do aeroporto pode avistar, pela janela direita do avião, a área ocupada pela Target Aviação. A empresa de táxi aéreo está confortavelmente instalada onde outrora ficava a Transbrasil, em regime de concessão. A companhia parou de operar em dezembro de 2001, mas a inquilina não só obteve na Justiça o direito de permanecer no local como subloca as instalações para a OceanAir Táxi Aéreo, de German Eframovich.



A Target pertence a Antônio Celso Cipriani, presidente da Transbrasil no período em que a companhia encerrou as operações. O escritório do advogado Roberto Teixeira, conhecido também por ser compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representa a Transbrasil. Ele também defende os interesses da VarigLog, antiga subsidiária da Varig que assumiu as novas operações da companhia.
A empresa informou que o advogado foi contratado devido à “grande experiência acumulada no setor aéreo”.



A CPI do Apagão Aéreo, que até a quinta-feira 15 ainda não tinha futuro definido, poderia, ao menos em tese, lançar alguma luz sobre os problemas do setor. Mas os parlamentares da oposição ao governo ainda não haviam definido o foco das investigações que pretendem conduzir. O deputado Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) diz que o objetivo é, a partir da queda do vôo 1907 da Gol, ocorrida em 30 de setembro de 2006, checar todas as possíveis explicações para o mau funcionamento da aviação civil brasileira. Para a base governista, o campo é vasto demais para ser abrangido por uma CPI.



O líder do governo na Câmara, deputado José Múcio Monteiro (PTB-PE), diz não temer as investigações, mas quer evitar uma repetição da CPI dos Bingos, que tratou de vários temas e pouco falou da jogatina irregular. “A oposição quer falar do controle de rotas aéreas, da atuação da Anac, das companhias de aviação ou do quê? Precisamos saber exatamente o que vai ser investigado antes de instalar uma comissão”, afirma.



Enquanto as causas do caos nos aeroportos não são postas na mesa, o presidente da Infraero tem uma idéia para diminuir os transtornos causados pelas próprias companhias aéreas. O brigadeiro aposta na mudança nos contratos de aluguel das áreas internas dos aeroportos. “As empresas deveriam pagar pelo uso dos guichês apenas nos horários em que têm necessidade, como ocorre em outros países”, diz Pereira. “No aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, é comum ver uma funcionária retirar a placa de uma companhia e dar lugar ao representante de outra empresa, que reveza o uso da estrutura.”



Para colocar a idéia em prática, o brigadeiro diz contar com o apoio da Anac. Mas terá de aguardar o vencimento dos atuais contratos e convencer as companhias a adquirir equipamentos móveis para a realização do check-in. A medida, segundo Pereira, deverá favorecer o crescimento de novas empresas, além de facilitar a eventual retomada de operações de quem ficou fora do mercado. “Precisamos evitar a todo custo que as instalações fiquem ociosas, porque o maior prejudicado é o passageiro”, diz o presidente da Infraero.