Collor chora seu impeachment em discurso de 3 horas

Por Bernardo Joffily
O  ex-presidente Fernando Collor de Melo, cassado pelo impeachment de 1992 e agora de volta a Brasília como senador (PTB-AL), estreou na tribuna do Senado nesta quinta-feira (15) com um discurso de mais de três horas. A interv

O primeiro presidente eleito pelo voto direto do povo, após o longo hiato da ditadura militar, foi apeado do Palácio do Planalto em 29 de setembro de 1992, no bojo de um grande movimento de massas sob a bandeira do “Fora Collor”. O movimento estudantil destacou-se nesta jornada, sob a liderança da UNE e da Ubes, inventando, em agosto de 1992, a versão brasileira dos carapintadas (com bandeiras e slogans). Foram as maiores manifestações estudantis da história do país, do Amapá ao Rio Grande do Sul. A penúltima delas em São Paulo (25/8/1992) teve 300 mil participantes. A última (18/9), 1,2 milhão.



O que queriam os carapintadas



Qual o conteúdo dos protestos? Eles se voltavam tanto para a defesa da ética, afrontada pelo chamado Escândalo PC Farias, como para a rejeição do modelo neoliberal, introduzido pelo governo Collor. Foi a primeira vez que o combate ao neoliberalismo ganhou as ruas em grande escala, denunciando as privatizações, a escalada do desemprego, a “flexibilização” dos direitos dos trabalhadores, as ameaças à soberania nacional.



O “Fora Collor” triunfou neste contexto e com este conteúdo essencial. A maré de jovens e populares nas ruas tornou politicamente impossível a permanência do presidente. E forçou a mudança da correlação das forças políticas. o dia da votação, no plenário da Câmara dos Deputados, o impeachment teve 441 votos favoráveis e 38 contrários (houve uma abstenção e 23 ausências).



Comparações com Pedro I e Getúlio



Quinze anos depois, o senador Fernando Collor de Mello enxerga o episódio sob uma ótica apolítica e pessoal. Compara-se a Dom Pedro I (no que tem um grão de razão, pois o imperador também foi derrubado e expulso do país pelo povo nas ruas, no 7 de Avril de 1831, primeiro movimento democrático triunfante no Brasil) e a Getúlio Vargas (no que está redondamente equivocado, pois Getúlio foi levado ao suicídio por um movimento de sentido inverso, direitista e golpista, que fracassou em seu objetivo maior mais uma vez graças ao ímpeto da reação popular). Diz que “nem o direito da duvida” lhe foi concedido e que foi “afastado somente pela especulação”.



Collor diz ter feito o discurso porque “é chegada a hora de falar a nação os descaminhos de um processo que não honra nem dignifica a historia parlamentar do país”. Longe disso, o Brasil tem bons motivos para se honrar com o impeachment de 1992, como deliberação parlamentar, e sobretudo pela Campanha do “Fora Collor” enquanto explosão de rebeldia de um povo.



É compreensível que o ex-presidente se emocione com sua própria desdita. Pode-se até alegar, em sua defesa, que não era um presidente neoliberal “orgânico”, mas apenas um aventureiro político que abraçou o neoliberalismo por razões de circunstância. Porém não há como concordar com a tentativa de reabilitação do seu desastroso governo e incriminação do impeachment.



A lição do piloto de helicóptero



Absolvido pelo Supremo Tribunal Federal em 1994, mas com seus direitos políticos cassados por oito anos, Collor primeiro refugiou-se em Miami, depois buscou a volta por cima. A primeira tentativa, em 2002, quando concorreu ao governo de Alagoas, frustrou-se com a derrota para Ronaldo Lessa, do PSB, por 553 mil votos a 420 mil. Quatro anos depois, a vitória foi de Collor, enfrentando o mesmo Lessa, por 550 mil a 501 mil.



O retorno não garante ao senador um papel de primeira linha no cenário nacional. A mídia, que 17 anos atrás teve um papel decisivo para conduzir Collor à Presidência, agora trata-o como uma espécie de curiosidade do Congresso eleito em 2006, ao lado do deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP).



O senador Fernando Collor concluiu o emocionado discurso com duas frases de efeito, a segunda delas tomada de uma peça de Shakespeare: “Posso agora virar aquelas páginas doídas da minha vida pública. Não vim para lastimar o passado, mas para sepultar essa dolorosa lembrança”, afirmou. O país, porém, não vai sepultar a lembrança que o orgulha: recordará sempre que o povo, detentor primário de todo poder democrático, tem a força para apear um governante que se volte contra ele, como ficou provado em 1992.



Antes de terminar, Collor chorou copiosamente ao lembrar seus últimos momentos como presidente. “Sai do Planalto pela última vez e peguei o helicóptero (…interrompido pelo choro). Antes de me levar embora, pedi para que o piloto me levasse para ver como estavam aquelas obras [uma escola para crianças carentes], na cidade Satélite. O piloto me disse: ‘Negativo, não tenho combustível para isso'. Era um trajeto de mais cinco minutos. Naquele momento senti que a Presidência não me pertencia, nem a esse povo”, disse, ainda em prantos. O agora senador interpretou ao revés o que foi justamente o gesto de um servidor público a lembrá-lo que a Presidência, e o combustível do helicóptero presidencial, no fundo são dos 190 milhões de brasileiros.



Com informações da Agência Senado