Fernando Garcia: 160 anos do poeta Castro Alves (parte 1)

Castro Alves, o poeta abolicionista de O Navio Negreiro, autor de um único e célebre livro, viveu apenas 24 anos — o suficiente para se tornar um dos mais influentes escritores brasileiros. Para lembrar os 160 anos de seu nascimento, o

O primeiro texto é do historiador Fernando Garcia, do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ). Relata influências e temas na obra de Castro Alves, contextualizando sua poesia. A segunda parte de seu ensaio será publicada na quinta-feira. A série se encerra na sexta, com o artigo “As múltiplas atualidades de Castro Alves”, do mestre em literatura Everaldo Augusto, vereador em Salvador (BA) pelo PCdoB. Boa leitura!


 


 


 


160 anos do poeta Castro Alves


 


Por Fernando Garcia *


 


Neste 14 de março comemoramos o aniversário de 160 anos do poeta Castro Alves (1847-71). Nascido na Fazenda Cabaceiras na então freguesia de Muritiba, perto de Curralinho (BA), filho do Dr. Antonio José Alves e Clélia Brasília da Silva Castro (o sobrenome Brasília foi uma homenagem à pátria recém-libertada).


 


Antonio Francisco de Castro Alves chamado na sua infância por Cecéu, se tornou um dos maiores poetas brasileiros; Poeta da Abolição, Poeta dos Escravos são seus codinomes merecidos por vasta obra em defesa da abolição da escravatura no Brasil.


 


A história de Castro Alves começa antes mesmo de seu nascimento. Sua família influenciou de forma determinante nas suas poesias e no seu pensamento revolucionário dentro das marcas da nascente burguesia nacionalista ascendente naquele período do Império. Seu avô materno, José Antonio da Silva Castro, foi major nas lutas de independência na Bahia subordinado ao general Pedro Labatut – reconhecidamente um dos responsáveis pela expulsão dos últimos portugueses resistentes no ano de 1823.


 


O major Silva Castro comandou o batalhão dos “Periquitos” (seus uniformes eram verde) que incluía sertanejos e a valente Maria Quitéria. Na obra de Castro Alves o “2 de julho”, data marco daquela expulsão, esteve presente em poesias e homenagens, como nesta Ao Dois de Julho recitada no teatro São João, na Bahia, em 1867, em que lembra das batalhas e de seu avô, o major Silva Castro:


 


Vós sois os cedros da História,
A cuja sombra de glória
Vai-se o Brasil abrigar.


 


E nós que somos faíscas
Da luz desses arrebóis,
Nós que somos borboletas
– Das crisálidas de avós


 


Mas antes ainda, aos 17 anos, em outro Ao Dois de Julho, já proclamava:


 


E hoje o dedo de Deus escreve ufano:
Tremei, tiranos desta triste lenda;
Livres, erguei o colo soberano!


 


Quando estava em São Paulo, em 1868, Castro Alves recitou no Teatro São Paulo outra poesia em homenagem a esta data, Ode ao Dois de Julho, mas antes de começar disse algumas palavras como gostava de fazer e neste caso agradou ao público paulista quando traçou uma ponte entre Salvador e São Paulo e mostrou como entendia a unidade nacional no episódio da independência da seguinte forma:


 


“O Ipiranga é irmão do Paraguaçu. O 7 de setembro é irmão do 2 de julho. Não há glória de uma província, há glória de um povo. É sempre o Brasil herdeiro augusto dos heróis, esses pródigos sublimes.”


 


E iniciou a sua declamação onde sugere uma marca de contrários:


 


Não! Não eram dois povos que abalavam
Naquele instante o solo ensangüentado…
Era o porvir – em frente ao passado,
A Liberdade – em frente à Escravidão,
Era a luta das águias – e do abutre,
A revolta do pulso – contra os ferros,
O pugilato da razão – com os erros,
O duelo da treva – e do clarão!…


 


Outro elemento familiar do poeta que muito o influenciou foi seu tio paterno João José Alves. Aventureiro, comandante de milícias populares, nacionalista ferrenho, João José, sempre que se metia em confusões na rua, corria à casa do irmão, para a alegria de Cecéu, que gostava de ouvir as histórias do tio lutando capoeiras, discutindo com conservadores, falando sobre a independência do Brasil.


 


Um dia foi a família, mais João José, assistir a uma peça no Teatro São João. A platéia aristocrática exibia jóias e roupas caras, no pano de fundo do palco uma pintura que exibia Tomé de Sousa chegando ao Brasil e índios com cara de subservientes. João José pulou ao palco, tirou uma faca da cintura e rasgou toda pintura. Entre aplausos e vaias, a confusão tomou conta do teatro, sob o olhar atento de Cecéu. O forte antilusitanismo na Bahia daquela época não admitia que se colocasse os “brasileiros” subjugados perante os portugueses, João José foi uma influência nacionalista na vida militante e na obra de Castro Alves.


 


Aos 11 anos Castro Alves foi estudar no Ginásio Baiano, dirigido por Abílio César Borges, professor que aboliu em sua escola o uso da palmatória e de castigos, por outro lado fazia saraus para que os alunos exercitassem leituras num ambiente mais informal. Foi assim que o poeta declamou em público suas primeiras poesias – nesta época, ainda inocentes e infantis, mas com talento já reconhecido. Ali Castro Alves aprendeu francês e começou a ler e traduzir entre outros Victor Hugo, autor francês que tinha como protagonistas de suas obras miseráveis e trabalhadores.


 


À esta época Álvares de Azevedo era um dos poetas de maior destaque no país. Tinha um sentimento mórbido em sua poesia, desejava e falava da morte; descrevia situações extremas de festas e arruaças nos cemitérios. Castro Alves se contrapôs a essa visão cética do mundo, como em O Século, neste trecho:


 


E enquanto o ceticismo
Mergulha os olhos no abismo,
Que a seus pés raivando tem,
Rasga o moço os nevoeiros,
Pra dos morros altaneiros
Ver o sol que irrompe além.


 


Durante o Império (1822-89), o Brasil passou por imensas crises políticas e levantes populares. A monarquia massacrou passo a passo todas as manifestações de oposição e de cunho popular como a dos Cabanos nos Pará (1833), dos Farrapos no Rio Grande do Sul (1835-45), Sabinada na Bahia (1837), Balaiada no Maranhão (1839), a revolução liberal em Minas e em São Paulo (1842) e os Praieiros em Pernambuco (1848-49).


 


Da Revolução Praieira, Castro Alves admirava a luta pelo voto livre e universal, liberdade de pensamento e de imprensa, garantia de trabalho a todos, independência dos poderes constituídos com a exclusão do Poder Moderador, sistema federativo, reforma do poder Judiciário, garantia dos direitos individuais. Esse movimento foi declaradamente republicano e teve dois líderes que se destacaram na obra de Castro Alves, Pedro Ivo e Antonio Borges da Fonseca. O primeiro é título de um de seus poemas que propaga a idéia de república:


 


República!… Vôo ousado
Do homem feito condor!
Raio de aurora inda oculta


 


E chama o povo a lutar por ela:


 


Então repeti ao povo:
Desperta do sono teu!


 


(…)


 


Quando o povo acordado
Te erguer do tredo valado,
Virá livre, grande, ousado


 


E quando falou da Revolução Praieira, comparou-a a Revolução Francesa de 1789:


 


E eu disse: Silêncio, ventos!
Cala a boca, furacão!
No sonho daquele sono
Perpassa a Revolução!
Este olhar que não se move
Está fito em – Oitenta e Nove –


 


Borges da Fonseca, o outro revolucionário praieiro admirado pelo poeta, em 1864, em Recife, fez um comício republicano que foi dissolvido com muita violência à patas de cavalos – estava presente o estudante Castro Alves. Com a arma que o poeta tem, em meio à confusão, Castro Alves de improviso declamou o que conhecemos por O Povo ao Poder, um manifesto que unifica o continente americano como povos “irmãos” e representa a defesa do direito à reunião, à palavra, ao livre pensamento:


 


Quando nas praças se eleva
Do povo a sublime voz,
Um raio ilumina a treva,
O Cristo assombra o algoz


 


(…)


 


A praça, a praça é do povo!
Como o céu é do condor!
É antro onde a liberdade
Cria a águia ao seu calor!
Senhor, pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça!…
Só tem a rua de seu
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos…


 


(…)


 


A palavra, vós roubai-la
Dos lábios da multidão.
Dizeis, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão!


 


(Continua na quinta-feira, 15).


 


* Fernando Garcia é historiador e membro do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ)