Público de cinema rejeita pobreza, diz crítico

Por Leonardo Cruz (para a Folha de S.Paulo)
Última sexta-feira: cerca de 1.600 adolescentes americanos lotam o Gusmán Center, principal cinema de Miami, numa sessão especial de Antônia para escolas locais. Aplaudem muito o filme, em s

Os casos acima exemplificam, de forma sintomática, o apelo popular e a capacidade de comoção que o filme de Tata Amaral possui. Então, resta a pergunta: por que o longa sobre as cantoras de rap da zona norte paulistana não atraiu aos cinemas o público que seus produtores esperavam?


 


A reportagem de Tereza Novaes na capa da “Ilustrada” discute essa questão e apresenta bons argumentos para justificar o resultado decepcionante, como uma data de lançamento possivelmente errada e um excesso de exposição na mídia por causa da série de TV.


 


Acrescento a essa discussão um outro fator, ligado ao perfil do público que freqüenta as salas de exibição no país. Com seus ingressos entre R$ 15 e R$ 20, o cinema é hoje opção de lazer para classe média alta, que tem real poder de consumo.


 


E Antônia não atrai tal fatia da população, porque não tem nenhum astro (de Hollywood ou das novelas), é um drama (não uma comédia escrachada) e retrata o cotidiano na periferia de uma metrópole. Ou seja, esse público consumidor não quer ver pobre no cinema, resiste a ir a um filme que reproduza a indigesta realidade, mesmo que seja uma ficção.


 


Reação de leitores
Apresentei esse argumento no blog Ilustrada no Cinema em fevereiro, após o anúncio de que 23.906 espectadores haviam visto o filme no primeiro final de semana -os produtores previam, no pior cenário, 80 mil pessoas.


 


O comentário provocou acalorada discussão entre leitores do blog, muitos argumentando que eu queria culpar a classe média alta pelos problemas do Brasil. Se é possível tirar um senso comum da maioria das 266 mensagens enviadas em reação a meu texto, ele se resume na opinião de Mister Lex (obviamente um pseudônimo):


 


“Os críticos se esquecem que, tirando eles próprios, as pessoas vão ao cinema para seu entretenimento e não para ver denúncia social, ou como somos feios, sujos e malvados no Brasil. Para ver o mundo das favelas, pobreza, injustiças sociais, basta abrir a janela do apartamento ou olhar pelas ruas do país ou assistir aos telejornais, e não ir ao cinema”.


 


Filme nacional, não!
O tema também foi discutido por Ricardo Calil em sua coluna “Olha Só”, no site NoMínimo. Lá, como no Ilustrada no Cinema, a reação dos leitores indicou também que ainda há preconceito contra filmes brasileiros. Antônia foi criticado por muitos internautas que visivelmente ainda não o tinham visto. Exemplo de um leitor do “Olha Só”:


 


“Os filmes nacionais fracassam porque são ruins. É simples assim. Alguém ainda agüenta assistir a histórias de periferia, travestis e violência? Quando teremos filmes como o Filho da Noiva e Nove Rainhas, só para citar dois argentinos?”.


 


Com essa soma dos preconceitos, contra a pobreza real e contra o cinema nacional, não há Antônia que resista.