Trabalhador brasileiro vive o pior de dois mundos

Em entrevista para o jornal Valor Econômico,  a pesquisadora Márcia Hespanhol Bernardo, da Universidade de São Paulo, afirma que os operários de hoje tiveram melhoras visíveis apenas em relação à prevenção de acidentes e limpeza, ao passo que tamb

A situação no ambiente de trabalho melhorou?


 


Márcia Hespanhol Bernardo: Definitivamente, não. A idéia de fazer uma pesquisa sobre o tema surgiu de constatações no meu cotidiano em um centro de referência em saúde do trabalhador. Identifiquei um contraste entre o que via nas empresas e ouvia dos trabalhadores e o que observava em publicações direcionadas para o setor empresarial e na mídia. O que melhorou nas grandes empresas foram as questões relacionadas a riscos de acidentes de trabalho, à limpeza. Mas, no que diz respeito à organização do processo de produção, tudo continua igual ou pior. 


 


E os modelos que dizem superar problemas do “taylorismo-fordismo”, como falta de participação e de autonomia? 


 


Agora, além de utilizar sua habilidade, destreza e força física em linhas de montagem muito similares àquelas idealizadas por Ford, o trabalhador também tem de se preocupar com melhorias do processo de produção e dos produtos, que, antes, eram atividades exclusivas de setores técnicos. Como disseram alguns dos meus entrevistados, “tem que estar ali produzindo e, ao mesmo tempo, pensando no que pode melhorar no setor”. Quer dizer, se antes o trabalhador em uma linha de montagem podia fazer sua atividade automaticamente e pensar em coisas de seu interesse, agora, deve ter sua mente também ocupada com o trabalho. 


 
Não há melhores práticas nas empresas para introduzir os modelos que rompem com o taylorismo-fordismo? 


 


Márcia: Prefiro falar de como deveriam ser essas práticas. Elas seriam adequadas se não se pautassem pela exploração máxima dos trabalhadores, quando estes não seriam vistos apenas como mais um “recurso” necessário à produção, mas como seres humanos, quando a participação e a autonomia pudessem se estender também a questões de interesse dos trabalhadores etc. Mas, para que isso aconteça, o “deus” mercado não poderia ser tão poderoso… 


 


No esforço por legitimar a idéia de um trabalhador que teria maior oportunidade de se expressar nesses novos modelos de organização do trabalho, o termo competência estaria ganhando novo significado no discurso empresarial? 
 


Pode-se dizer que a “competência” é incorporada no discurso empresarial com a justificativa de deixar de se ater apenas à “qualificação” anterior do trabalhador e poder oferecer a possibilidade de este usar suas potencialidades. No entanto, na prática, ela possibilita a introdução de critérios ideológicos nos processos seletivos e de avaliação. As características individuais do trabalhador, principalmente as relacionadas ao tipo de socialização prévia e à personalidade, passam ao primeiro plano, sendo valorizados aqueles menos críticos, que poderiam se engajar mais facilmente ao que se costuma chamar “família-empresa”. Um trabalhador que já foi ativista sindical, por exemplo, dificilmente passará nesse tipo de seleção, ainda que apresente boas qualificações.