Glauber Rocha terá roteiros, diário e romance digitalizados

Uma sala de 24m2, com goteiras e sem refrigeração, guarda tudo o que Glauber Rocha escreveu. Persistente desde a criação do projeto Tempo Glauber, em 1983, a insalubridade tem data para acabar: em março de 2008, os 100 mil documentos deverão estar inventa

Com uma equipe de oito pessoas coordenada pelo arquivista Paulo Amar, o trabalho começa no próximo mês no casarão de Botafogo (zona sul do Rio) que abriga o acervo. Contará com R$ 846 mil da Petrobras e poderá proteger para sempre a volumosa obra do mais importante cineasta brasileiro.



Embora tenha morrido com apenas 42 anos, em 1981, e feito 20 filmes – entre documentários, registros caseiros, curtas e longas –, Glauber ainda deixou um material vastíssimo inédito ou pouco conhecido.



“Ele escrevia em duas máquinas ao mesmo tempo. Se estava fazendo algo numa delas e surgia uma idéia sobre um assunto diferente, batia em outra. A não ser quando estava filmando, a vida dele era ler e escrever”, diz dona Lúcia Rocha, 88, mãe do cineasta e grande responsável pela reunião de seu acervo.



Alguns dos roteiros estão concluídos e têm até storyboards (desenhos que indicam como as cenas serão filmadas) feitos por Glauber. Mas não se deve imaginar que eles estão prontos para ser rodados.



Antes de tudo, porque só Glauber filmava Glauber, dada a profusão de idéias muito peculiares que reunia num projeto. Por exemplo: “A Conquista do Eldorado”, da segunda metade dos anos 70, começa mostrando os índios antes da chegada dos europeus, passa pelo México do século 19 e termina com um Simón Bolívar (não necessariamente o real) como presidente de Eldorado.



Jango
E Glauber aproveitava idéias, cenas e personagens em diferentes trabalhos. Em “A Conqysta do Parayzo” (1979) e “O Destino da Humanidade” (1981, o último projeto, que deixou ainda sem diálogos), há nomes e trechos que remetem a “Jango” (1976), filme em que ele sonhava ter Jane Fonda e Robert Mitchum.



O fascínio do cineasta pela história do ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964, o levou a escrever também uma peça (encenada no Rio em 1996) e um romance – sem falar que o roteiro tem dois grossos volumes.



Na visão de Glauber, Jango é um personagem trágico, pois teria tido a chance de comandar uma revolução socialista e recuado. “Este país ainda é muito criança para enfrentar uma revolução sangrenta”, diz o ex-presidente no roteiro.



O filme acabaria com Jango devorado pelo povo, numa cena de explícita antropofagia. “Chamamos o [crítico de cinema] Ruy Gardnier para nos ajudar, porque é preciso uma curadoria para organizar esse material”, diz Paloma Rocha, filha do diretor. “Aurora” e “América Nuestra” (embrião de “Terra em Transe”) também são roteiros não-filmados.



Outro crítico, Ismail Xavier, está desempenhando essa função na coleção Glauberiana, da Cosacnaify. No segundo semestre, será publicado pela primeira vez o diário que Glauber manteve em Nova York em 1971. E, em 2008, o romance “Adamastor”.