Ignacio Ramonet: O que é a globalização?

Sob o título “O mercado contra o Estado”, Ignacio Ramonet – editor do Le Monde Diplomatique e autor de Biografia a Duas Vozes, entrevista de cem horas com Fidel Castro (Boitempo Editorial) – dá uma sintética e competente definição da glo

O mercado contra o Estado


 


Por Ignacio Ramonet


 


O que é a globalização? O enfrentamento central do nosso tempo. Aquele do mercado contra o Estado, do setor privado contra os serviços públicos, do indivíduo contra a coletividade, dos egoísmos contra as solidariedades.


 


Por todos os meios, o mercado procura ampliar sua área de intervenção em detrimento do Estado. É por isso que as privatizações se multiplicam em todos os lados. Elas são, de fato, simplesmente transferências para os setores privados de fragmentos (empresas, serviços) do patrimônio público. O que era gratuito (ou mais ou menos barato) e à disposição de todos os cidadãos sem distinção se torna pago ou mais caro. Esta grande regressão social tem sobretudo relação com as camadas mais pobres da população. Porque os serviços públicos são o patrimônio dos que não têm patrimônio.


 


A globalização é também, pelo mecanismo das trocas comerciais, a interdependência cada vez mais estreita das economias de numerosos países. O fluxo das exportações e das importações aumenta regularmente. Mas a globalização das trocas se refere sobretudo ao setor financeiro, porque a liberdade de circulação dos fluxos de dinheiro é total. E isto faz com que este setor domine, com grande vantagem a esfera da economia.


 


As pessoas que detêm fortunas se encontram, para multiplicar seu capital, diante da seguinte alternativa: seja investir seu dinheiro na Bolsa (não importa em que Bolsa do mundo, pois os capitais circulam sem entraves), seja investi-lo em um projeto industrial (criação de uma empresa de fabricação de produtos de consumo). Neste caso, a rentabilidade média é de entre 6 e 8% na Europa. Em compensação, no caso de um investimento na Bolsa, a rentabilidade pode chegar a níveis muito mais altos (na França, em 2006, os mercados bursateis conheceram uma alta de 17,5%, na Alemanha de 22% e na Espanha de 33,6%!).


 


Diante de diferenças tão grandes, os proprietários de capitais só aceitam investir na indústria (onde são criados empregos) com a condição de que isso lhes renda cerca de 15% ao ano. Mas vimos como a rentabilidade média para esse tipo de investimento na Europa é de entre 6 e 8%. O que fazer? Pois bem, investir na China ou na Tailândia, por exemplo, países nos quais, em razão dos custos muito baixos da mão de obra, o retorno sobre o investimento pode chegar e até superar os 15%. É por isso que tantos investimentos são feitos atualmente, principalmente na China.


 


E como a finalidade do exercício consiste em fabricar com baixos custos nos países pobres para vender a preços muito altos nos Estados ricos, isso leva a uma avalanche de produtos importados dos países-fábricas e vendidos, por exemplo, na Europa. Aqui eles competem deslealmente com os mesmos produtos fabricados no Velho Continente com custos de mão de obra mais altos porque os direitos sociais dos trabalhadores são aqui – felizmente – mais importantes. Em conseqüência as empresas européias vão à falência e numerosas outras são obrigadas a fechar as portas e a licenciar seus trabalhadores.


 


Para sobreviver, alguns capitalistas optam por “deslocalizar”, isto é, transferir seu centro de produção para um país com mão de obra barata. O que se traduz, também nesse caso, nos países ricos, em fechamento de empresas e em desemprego.


 


A globalização atua assim como uma mecânica de triagem permanente sob o efeito de uma concorrência generalizada. Há concorrência entre o capital e o trabalho. E, como os capitais circulam livremente, enquanto os homens são muito menos móveis, quem ganha é o capital.


 


Da mesma forma que os grandes bancos ditaram, no século XIX, sua atitude para numerosos países, ou como as empresas multinacionais o fizeram entre os anos 1960 e 1980, os fundos privados dos mercados financeiros têm agora em seu poder o destino de muitos países. E, em certa medida, o destino econômico do mundo.


 


Os mercados financeiros estão em condições de ditar suas leis aos Estados. Nessa nova paisagem político-econômica, o global se impõe sobre o nacional, a empresa privada sobre o Estado. Não há praticamente mais distribuição de renda e o único ator do desenvolvimento – nos dizem – é a empresa privada, o único reconhecido como competente em escala internacional. E assim o único motor em torno do qual – nos dizem – é preciso reorganizar tudo.


 


Em uma economia globalizada, nem o capital, nem o trabalho, nem as matérias primas constituem, em si, o fator econômico determinante. O importante, é a relação ótima entre esses três fatores. Para estabelecer essa relação, uma empresa não leva em conta nem as fronteiras, nem as regulamentações, mas apenas a exploração mais rentável que ela possa fazer da informação, da organização do trabalho e da revolução da gestão. Isso produz sistematicamente uma fratura das solidariedades dentro de um mesmo país. Ocorre assim um divórcio entre o interesse das empresas e os interesses da coletividade nacional, entre a lógica do mercado e a lógica da democracia.


 


As empresas globais fingem que não têm nada com isso: elas subcontratam e vendem no mundo inteiro; e reivindicam um caráter supranacional que lhes permita atuar com uma grande liberdade porque não existe, para dizê-lo de alguma maneira, instituições internacionais com caráter político, econômico ou jurídico em condições de regulamentar eficazmente seu comportamento.


 


A globalização constitui assim uma imensa ruptura econômica, política e cultural. Ela submete os cidadãos a uma regra única: “adaptar-se”. Abdicar de qualquer vontade, para obedecer mais às injunções anônimas dos mercados. Ela constitui o ponto de chegada final do economicismo: construir um homem “mundial”, esvaziado de cultura, de sentido e de consciência do outro. E impor a ideologia neoliberal em todo o planeta.