Esloveno se prepara para atravessar o Rio Amazonas a nado

Três palavras passaram a roubar o sono de Martin Strel após sua peregrinação pela região ribeira da Amazônia: candiru, piranha e pororoca assustaram um homem habituado ao perigo e colocaram em xeque o projeto mais ambicioso de sua carreira: percorrer, a n

“O primeiro é um peixinho que pode entrar no meu organismo e causar sérias doenças. O outro pode rasgar meu traje com os dentes. E a terceira é uma onda impressionante capaz de me matar afogado. Tive até pesadelos quando soube que teria tudo isso pela frente.”



Os sonhos ruins motivaram precaução extra com as pedras no caminho, porém não frearam o ímpeto do atleta.



No próximo dia 1º de fevereiro, em Atalaya, no Peru, ele dá a largada para um périplo jamais realizado. Pelo cronograma que traçou, as braçadas acabam somente em 11 de abril, quando aporta em Belém, no Pará.



“Nós, maratonistas aquáticos, ficamos melhor com o tempo. Creio que reúno agora a experiência e o preparo físico e psicológico necessários para conquistar o Amazonas.”



Strel é esloveno, mede 1,85 m e tem uma barriga saliente. A um olhar desapercebido, nem parece esportista.



Homem-Peixe
Mas seu currículo mostra que o projeto atual é apenas mais um a figurar na coleção particular de façanhas. Em 2000, nadou 3.000 km no rio Danúbio, o segundo maior da Europa. Dois anos depois, cumpriu 3.797 km no Mississipi (EUA). Por fim, em 2004, percorreu 4.000 km no Yangtzé, na China.



Todos os feitos, que lhe renderam o apelido de Homem-Peixe, estão registrados como recordes no livro Guiness. “Comecei a disputar provas longas na natação quando tinha 18 anos. Com o tempo, percebi que queria passar horas e horas nadando. Foi então que escolhi seguir projetos extremos. E não existe nada mais extremo do que nadar no Amazonas”, diz.



A afirmação está embasada em três meses de pesquisas que Strel e sua equipe realizaram no Peru e no Brasil. O nadador conversou com especialistas e buscou relatos da população ribeirinha sobre a fauna e a flora.



Descobriu um rio repleto de vida e criou uma equipe de quase 20 pessoas para ajudá-lo.



Enquanto estiver na água, dois caiaques vão fazer sua escolta. Após cumprir a quilometragem programada – as distâncias variam entre 35 km e 100 km diários –, sobe em um barco que já foi utilizado pelo oceanógrafo francês Jacques Cousteau (1910-1997) para dormir e receber as refeições.



“Vou nadar sempre no meio do rio, onde a possibilidade de encontrar peixes perigosos ou cobras venenosas é menor. Minha equipe está precavida, e estamos levando até armas a bordo. Caso eu seja atacado, teremos como reagir”, afirma.



O traje de neoprene também é reforçado e vai cobrir todo o corpo. Tais medidas preventivas, argumenta o nadador, minimizam riscos, porém acontecimentos fortuitos sempre complicam projetos do gênero.



Falhas e tecnologia
Strel traz uma reminiscência à tona para explicar sua teoria. Em 2004, havia feito treinamentos especiais para suportar a água fria do Yangtzé. As práticas surtiram efeito, e a temperatura não o atrapalhou. Só que, durante o percurso, um redemoinho muito incomum naquela localidade o tragou para dentro d'água.



“Eu não conseguia subir, e minha equipe nada podia fazer. Pensei que fosse morrer. Aí, liberei o ar de dentro de meu colete salva-vidas. Aquilo propiciou um empuxo que me levou de volta à superfície”, lembra.



Falhas assim foram assimiladas. Strel e seu grupo hoje investem pesado em tecnologia. A embarcação de 21 metros está equipada com sistema para monitoramento do clima e do leito do rio. Via satélite, a equipe mantém contato com o departamento de medicina da Universidade do Arizona (EUA), que vai prestar consultoria em casos de acidentes. “Nosso orçamento é de US$ 1 milhão”, revela Borut Strel, filho de Martin e responsável pela captação de recursos.



Ele vai acompanhar a travessia e prevê alguns “momentos assustadores” pelo caminho. E declara que só a determinação do pai é capaz de transmitir otimismo antes da empreitada.



Martin treina de três a cinco horas por dia. Sabe que não terá outra chance. “Os anos têm passado depressa”, conta.



Por isso, acredita que a travessia mais difícil de sua vida precisa passar uma mensagem inspiradora, que transcenda o esporte. Assim, ao ser questionado sobre suas metas, responde em tom messiânico.



“Se eu posso cruzar esse rio, então palestinos e israelenses podem viver em paz. Se eu posso cruzar esse rio, os países mais ricos do mundo podem perdoar a dívida dos pobres. Se eu posso fazer o que julgam ser impossível, líderes religiosos e políticos também podem.”