América Latina em debate – Manfredo Oliveira

A questão hoje não é mais simplesmente a de um norte rico e de um sul pobre, mas da coexistência num mesmo espaço geográfico de ilhas de prosperidade em meio a oceanos de miséria.

Os católicos da Igreja Latino-americana e Caribenha constituem hoje quase a metade dos católicos do mundo e entram no novo ano na expectativa de um evento que poderá ter efeitos muitos significativos não só para esta igreja, mas para as igrejas de todo o mundo: a realização em Aparecida da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe.Os analistas da situação reconhecem que se trata de uma oportunidade privilegiada para que se possa, por um lado, olhar para o passado recente e se perguntar quais foram as opções irrenunciáveis que foram tomadas na caminhada desta igreja e que precisam ser fortalecidas no contexto novo; por outro lado, qual é a situação nova, quais os desafios novos que interpelam os cristãos em sua presença no mundo?


 


Há um certo consenso na compreensão e na avaliação do contexto sócio-histórico que condiciona e interpela o testemunho cristão: a questão hoje não é mais simplesmente a de um norte rico e de um sul pobre, mas da coexistência num mesmo espaço geográfico de ilhas de prosperidade em meio a oceanos de miséria. Nossa região é a região do mundo que apresenta a maior desigualdade: um milhão de pessoas morrem por ano por causas relacionadas à pobreza, dezoito milhões emigram em busca de trabalho e fugindo de conflitos violentos, aprofundando, assim, o pluralismo que marca nossas sociedades, quarenta milhões de crianças vivem nas ruas e quase a metade cheira cola como forma de fugir à fome. É a pobreza secular e estrutural que se agrava através da globalização dos mercados, um processo de rearticulação econômica que se efetivou a partir de determinadas opções políticas que visaram enfrentar a crise dos anos 70 e que se fez seguindo os passos de uma nova revolução tecnológica.


 


A consciência do agravamento da situação social se manifesta na crescente insegurança que marca nossa vida quotidiana: desemprego massivo e estrutural, crescimento acelerado da economia informal, população restante, violência urbana, conflitos entre grupos armados, narcotráfico, etc. Os mecanismos de exclusão adquiriram neste contexto novas formas: numa economia em que o conhecimento exerce um papel central e até mesmo se torna, na forma de conhecimento científico, a força de produção mais importante desta configuração da produção e elemento fundamental para o gerenciamento das empresas, a exclusão e a pobreza vão assumindo o rosto dos não-conectados, ou seja, dos que não possuem acesso aos conhecimentos indispensáveis para poder inserir-se de forma decente na nova forma de configuração da vida social.


 


Mas a nova revolução tecnológica, além da re-configuração da questão social, traz desafios muito específicos para as igrejas cristãs: hoje as ciências da vida e da informação levantam a pretensão de substituir a física como ciência padrão. Ora as igrejas inseridas nestes novos contextos vão precisar dialogar a respeito das grandes conseqüências para a vida humana do emprego das novas tecnologias nas diferentes esferas da vida e isto exige competências novas. Há toda uma cultura nova que se está gestando que, se por um lado chama atenção a novos valores, por outro, corre muitas vezes o risco de desembocar em relativismos, ceticismos, individualismos e materialismos sufocantes e destruidores da grandeza humana. A questão de fundo que agora desafia as igrejas é como apresentar a pessoa de Jesus Cristo e seu projeto de vida como uma possibilidade de realização autêntica da liberdade humana capaz de estruturar numa ótica nova toda a nossa vida nesta nova situação.


 


Manfredo Araújo de Oliveira é doutor em Filosofia e professor da UFC