Paraguai: Apoiado pela esquerda, bispo assume candidatura

O bispo católico paraguaio Fernando Lugo confirmou formalmente, nesta segunda-feira (25/12), sua renúncia ao estado clerical. Contra o Vaticano – mas com apoio de setrores da esquerda e dos movimentos sociais -, Lugo se lançou candidato presidencial nas e

“Pediram-me que lidere um projeto e hoje, neste 25 de dezembro, oficialmente tomo a decisão de me colocar a serviço do povo paraguaio por meio da política”, afirmou Lugo. O agora ex-bispo – que tem uma reconhecida trajetória de ação com os setores populares do centro do país – anunciou sua decisão em mensagem lida em sua casa de Encarnación, 370 quilômetros ao sul de Assunção.


 


A força de sua candidatura foi atestada por uma pesquisa do jornal ABC Color – o principal do Paraguai. Lugo, de 55 anos, venceria o atual presidente, Nicanor Duarte Frutos, e outros possíveis candidatos caso as eleições paraguaias fossem realizadas hoje. Nicanor Duarte, para poder governar por mais cinco anos, deverá obter o voto do Congresso, a fim de alterar Constituição do país.


 


Segundo o ABC Color, Lugo recebeu a preferência de 24,9% dos entrevistados, enquanto o atual presidente aparece com 21,8%. Logo atrás aparecem o ex-general golpista Lino Oviedo, em prisão há quase três anos, com 18,1%; o presidente do Partido Pátria Querida, Pedro Fadul, com 10,1%; e o vice-presidente da república, Luis Castiglioni, com 9,4%.


 


Divisão
Identificado com os pobres, especialmente com camponeses sem-terras, Lugo era a principal referência da corrente progressista da Igreja Católica no Paraguai. Foi bispo emérito do empobrecido departamento (província) de San Pedro, ao norte do país. Na região, há muitos trabalhadores sem-terra e existe muita pobreza.


 


Em novembro, o ABC Color já dava por certo que ele optaria pela carreira política e se apresentaria à frente de um movimento político próprio. Quando a candidatura se tornava mais clara, Lugo foi criticado pelo Partido Liberal – mas saudado pelo coloradismo.


 


O influente senador do governante Partido Colorado, Juan Galaverna, se congratulou: a candidatura, segundo ele, “facilitará a vitória do coloradismo”. Galaverna acrescentou que o apoio da oposição política a Lugo não é por um ato de grandeza – mas pela falta de um candidato entre os partidos opositores.


 


Já Carlos Mateo Balmelli, pré-candidato presidencial pelo Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), fez ressalvas. Para ele, se Lugo queria ser candidato único da oposição, deveria disputar as eleições internas como qualquer outro candidato. Balmelli afirmou que não renunciará à sua candidatura – salvo se Lugo ganhe as eleições internas.


 


Base forte
No dia 24 de novembro, Lugo recebeu o apoio de cerca de 500 integrantes de organizações sociais e políticas. Ao grito “Lugo presidente”, o grupo foi até a sede da congregação Verbo Divino, onde vive o bispo. Entre eles estavam dissidentes do Partido Colorado, integrantes de outros partidos, defensores de direitos humanos, dirigentes sindicais e indígenas.


 


“Este pedido vai ter uma resposta oportuna”, disse Lugo na ocasião. Na nota entregue ele, seus partidários pedem que o então bisbo se apresente como candidato presidencial em 2007. Os porta-vozes dos diferentes setores prometeram continuar juntando assinaturas em todo o país em apoio a sua candidatura.


 


E o grupo não parou de crescer. Até uma semana atrás, foram recolhidas 100 mil assinaturas para convencer o bispo a candidatar-se à presidência. Aproximadamente 1.500 pessoas – na maioria agricultores e dirigentes sindicais da esquerda – fundaram um movimento para apoiar a possível candidatura.


 


“Generosidade”
O novo movimento se chama Tekojoja (Justiça ou Equidade, no idioma guarani). “Aceite, diga sim, não tenha dúvidas, apresente-se, mesmo se tiver que abandonar a batina”, lia-se no pedido apresentado a Dom Lugo. “O nosso Paraguai merece uma batina.”


 


Pedindo “um pouco de paciência” para a resposta, o religioso agradeceu a reivindicação que lhe fora feita: “Sinto-me lisonjeado pela gentileza demonstrada e pretendo responder com a mesma generosidade.”


 


Lugo é visto como a única pessoa em condições de reunir o consenso da oposição, para vencer o Partido Colorado, que ocupa o poder desde 1947, ininterruptamente. Durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), o então padre Lugo – que era militante dissidente do Partido Colorado – foi preso 20 vezes. Três de seus irmãos foram forçados ao exílio.


 


A igreja se manifesta
No último sábado, o Vaticano pediu a Lugo que reconsidere sua decisão de candidatar-se à Presidência da República e ameaçou puni-lo caso continue com esses planos. As declarações em nome do Vaticano foram do monsenhor Zacarias Ortiz, bispo de Concepción, 400km ao norte de Assunção.


 


Lugo havia apresentado uma carta dirigida ao Papa manifestando seu desejo de candidatar-se à Presidência paraguaia em uma coalizão de oposição. Mas Ortiz ressaltou, na resposta ao religioso, que, caso persista com esses planos, poderá ser punido com a suspensão de todas as suas atividades religiosas como bispo. Lugo se antecipou e saiu candidato.