Para Aldo, PT não consegue conviver com governo de coalizão

Em entrevista ao jornal  Folha de S. Paulo, o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP) defende isonomia salarial entre Poderes; ele quer divulgar na internet como deputados gastam, por mês, verba indenizatória

O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), adotou oficialmente uma proposta que tem circulado no Congresso: congelar por quatro anos os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal até que seja decidido um teto rigoroso para os vencimentos do funcionalismo público. O STF derrubou nesta semana o aumento de 91% autoconcedido a deputados e senadores. Muitos congressistas ficaram irritados com a decisão, que causou mais desgaste para Câmara e Senado.


 


Toda vez que o Judiciário deseja um aumento de salário, envia uma proposta de lei ao Congresso. Já está pronto para votação o projeto 7.297, que altera de R$ 24,5 mil para R$ 25,725 mil os vencimentos dos ministros do Supremo a partir de 1º de janeiro de 2007 -alta de 5%.


 



Além de propor o congelamento dos salários dos juízes, Aldo Rebelo também deseja adotar outra medida polêmica: colocar na internet a íntegra das prestações de contas mensais de todos os deputados a respeito da verba indenizatória -os R$ 15 mil que cada um recebe mensalmente para gastos com escritórios, telefones e gasolina, entre outros. “Quero adotar de imediato na internet a inserção das notas fiscais.


 



Pretendo que a próxima legislatura seja iniciada com esse novo procedimento”, diz ele. Aos 50 anos, fumante diário de um maço e meio de cigarros Charm, Aldo é o comunista mais bem-sucedido da política brasileira. Assumiu a presidência da Câmara após a renúncia de Severino Cavalcanti (PP-PE), em 2005. Quer ficar mais um período na cadeira. Na quinta-feira (21), no fim do dia, comunicou sua decisão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na parte da manhã, recebeu a Folha para um balanço de sua gestão. A seguir, trechos da entrevista:


 



 
Quais foram as principais marcas positivas e negativas da atual legislatura?
ALDO REBELO – A reforma da Previdência, a tributária -ainda que parcial-, a polêmica regulamentação da pesquisa e da comercialização de produtos derivados de organismos geneticamente modificados -o país vivia sob uma moratória nessa área. Também foi aprovada a nova lei de falências, que vai permitir a recuperação de empresas, o Fundeb [para universalização da educação básica], uma legislação importante sobre saneamento básico e a nova lei das micro e pequenas empresas. É um saldo positivo.


 


E o negativo?
ALDO – O grande número de parlamentares envolvidos em escândalos.


 


Essa legislatura é pior do que as que a antecederam?
ALDO – É difícil comparar. Em outros períodos, não houve o tipo de investigação de agora.


 


Existe uma percepção de que a legislatura atual foi ineficaz ao não punir muitos dos congressistas envolvidos nos escândalos.
ALDO – Respeito a avaliação, mas acho que foi nesta legislatura que se avançou com medidas moralizadoras. Deu-se fim ao pagamento por convocações extraordinárias. Reduzimos o recesso parlamentar de 90 para 55 dias. E moralizamos o uso dos cargos de natureza especial, com 1.143 demitidos. A Câmara é o Poder mais aberto e transparente do país. Todas as sessões são abertas, televisionadas. Os dados sobre gastos estão na internet. Tenho dúvidas de que alguma outra corporação, pública ou privada, resistiria em pé uma semana passando pelo mesmo escrutínio rigoroso e diário pelo qual a Câmara é submetida. E o caminho para aprimorar é aprofundar essa transparência. Abrir ainda mais. Além de promover um debate com a sociedade para que os outros Poderes façam o mesmo.


 


Apesar dessa transparência e escrutínio diário, a Câmara puniu apenas três dos 19 deputados envolvidos com o mensalão. Há na sociedade uma sensação de ineficácia. Por que isso ocorre?
ALDO – Aqui, houve o julgamento político. O julgamento penal se dará na Justiça.


 


O sr. simpatiza com o repasse dos julgamentos de políticos para o STF?
ALDO – Em tese, por ser político, o julgamento precisa ser aqui na Casa para preservar a independência entre Poderes. Mas há também o vício incontornável de o julgamento ser prejudicado pelo risco do corporativismo ou da perseguição. Acho que poderíamos evoluir para uma situação intermediária. A licença para o julgamento sendo dada pelo Legislativo, autorizando o Judiciário.


 


Qual foi o erro no episódio do aumento para os rendimentos do deputados e dos senadores?
ALDO – Pensou-se que um ato conjunto das Mesas bastaria. Havia insegurança sobre essa decisão, tanto que o ato não foi constituído.


 


Como é possível, com cerca de 30 mil funcionários, que a que a Câmara e o Senado não tenham constatado essa ilegalidade antes de anunciar a decisão?
ALDO – Todos estavam, inclusive os assessores, envolvidos na sobrecarga da agenda que marca o fim do ano legislativo. Houve a tradição segundo a qual a legislatura cessante fixa o valor dos subsídios para a seguinte.


 


O Senado se omitiu?
ALDO – Não.


 


Haverá clima para retomar o tema em fevereiro?
ALDO – Acho que haverá clima para retomar o tema da remuneração dos servidores públicos de maneira geral. É preciso encontrar uma solução de maneira permanente, não submetida ao arbítrio de um ou outro Poder. A autonomia entre os Poderes é para o exercício das suas atribuições constitucionais e legais. Não concebo como exercício da independência dos Poderes a fixação arbitrária por parte de cada um das suas respectivas remunerações. Os Três Poderes devem conceber uma política de remuneração para o topo com algum grau de isonomia e limites. Constitui deformação inaceitável servidores do Poder Executivo que ganham mais do que o presidente da República e do que um senador. Ou um juiz estadual ganhando mais do que um ministro do Supremo.


 


Como seria a isonomia?
ALDO – No topo da carreira de cada um dos Poderes é preciso haver equilíbrio. A idéia é que os ministros do Supremo, os deputados e senadores, os ministros de Estado, o presidente da República tenham algum grau de isonomia.


 


O que é “algum grau de isonomia”?
ALDO – O ideal é que fosse isonomia de fato. Iguais. Tanto com o aumento da remuneração de uns ou com a redução ou congelamento da remuneração de outros. Não é algo que tenha de ser resolvido por uma canetada. Resolve-se no médio e no longo prazo esse equilíbrio.


 


Os maiores salários estão no Judiciário. Como fazer?
ALDO – É preciso que se transforme esse problema em uma questão para o país, do país. Que se faça publicamente essa discussão.


 


Mas o sr. poderia dizer qual valor considera o valor a ser perseguido para a remuneração do alto escalão dos Três Poderes?
ALDO – A lei não permite a redução de vencimentos. Eu acho que de início deveria haver um congelamento por quatro anos dos vencimentos maiores. E isso não significa que os que estejam abaixo do teto tenham de alcançá-lo de imediato. Podem fazê-lo no médio e no longo prazo.


 


O salário oficialmente mais alto é o dos ministros do Supremo. O sr. está propondo congelar esses salários?
ALDO – Sim.


 


E no caso de presidente da República, ministros de Estado e congressistas?
ALDO – Pode ser estabelecido um cronograma de recuperação ao longo de quatro ou oito anos. Mas isso não é o principal do debate. O principal é estabelecer um teto para todos, ativos e inativos.


 


Mas os ministros do Supremo já enviaram um projeto de lei aumentando seus salários de R$ 24,5 mil para R$ 25,725 mil, a partir de 1º de janeiro. O que fazer com esse projeto?
ALDO – Submeter ao debate geral, mas não conceder neste momento.


 


Esse congelamento não será entendido como retaliação ao Judiciário, uma vez que o Supremo derrubou o aumento dos salários do Congresso?
ALDO – Não. Porque a idéia é que os salários dos ministros do Supremo, embora não sejam do nosso ponto de vista tão elevados, já se encontram em um patamar que pode aguardar um amplo debate nacional sobre a remuneração dos servidores. A construção do caminho do teto para o serviço público, sem que isso signifique a degradação dos salários dos ministros do Supremo.


 


No caso dos congressistas, como dar mais seriedade ao uso dos R$ 15 mil mensais que cada um recebe a título de verba indenizatória?
ALDO – Quero adotar de imediato na internet a inserção das notas fiscais. Pretendo que a próxima legislatura seja iniciada com esse novo procedimento. Depende de uma decisão da Mesa Diretora da Câmara, que poderá tomá-la em janeiro.


 


Haverá tempo antes do início da próxima legislatura para tomar tal decisão?
ALDO – Haverá. Já falei com os líderes e integrantes da Mesa. Creio que todos terão sensibilidade para apoiar.


 


Qual a sua avaliação sobre a possibilidade de sucesso da coalizão partidária governista que está em fase de montagem?
ALDO – Eu diria que a necessidade da coalizão é inversamente proporcional à convicção política do PT para construí-la. Para dar certo é preciso um esforço maior. O Brasil é um país que construiu suas transições sob o signo das coalizões. O PT não é um partido formado nessa tradição brasileira. É um partido com uma matriz eurocentrista e muito determinada. Não parte da idéia da união ampla de forças políticas e intelectuais do país. Tenho tranqüilidade em dizer isso, pois o PC do B sempre procurou uma aliança mais próxima com o PT.