“Financial Times”: Argélia reivindica origem de Zidane

A chuva torrencial na Argélia nesta semana não atrapalhou a recepção de herói para Zinedine Zidane, o legendário jogador de futebol francês, quando ele visitou a terra natal de seus pais pela primeira vez em 20 anos.

Os gritos aduladores de “Viva Zizou” da multidão que acorreu para ver o filho favorito do país trouxeram certo alívio às disputas e aos ciúmes que prejudicaram nos últimos anos as relações entre a França e sua ex-colônia no norte da África.


 


“Ele deu felicidade a este país, trazendo consigo a chuva que salva vidas”, proclamou o jornal estatal da Argélia, El Moudjahid. Zidane nasceu em Marselha (França), para onde seus pais se mudaram em 1962 no final de uma guerra sangrenta que deu à Argélia sua independência da França.


 


A espetacular cabeçada de Zidane na derrota final contra a Itália na Copa do Mundo este ano só fez aumentar sua popularidade na Argélia. Ele é idolatrado como um símbolo de esperança para muitos jovens que sonham em mudar-se para a França para escapar da pobreza.


 


Homenagem
O presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, concedeu a Zidane na quarta-feira a medalha Athir, a maior honraria do país, tradicionalmente reservada para chefes de Estado ou heróis da guerra da independência.


 


Bouteflika disse que a medalha foi “em reconhecimento pelo respeito e a admiração que o senhor demonstrou pelo povo argelino, ao qual pertence”. Uma fundação de caridade representada por Zidane levantou 4,9 milhões de euros para projetos humanitários na Argélia.


 


Mas a maneira como o presidente argelino se encarregou da visita de Zidane, oferecendo um almoço para o jogador e transportando-o num helicóptero oficial, provocou acusações de manipulação política na imprensa francesa. “O chefe de Estado argelino está marcando seu território”, queixou-se o jornal Le Figaro.


 


“Em espasmos”
Analistas dizem que essa reação demonstra a natureza acidentada das relações franco-argelinas. “Essas relações acontecem em espasmos”, diz Khadija Mohsen-Finan, um especialista em norte da África no Instituto Francês de Relações Internacionais. “As populações são muito próximas, mas com freqüência são manipuladas pelas elites políticas que usam o outro país como inimigo natural.”


 


As negociações sobre um projeto de “tratado de amizade” entre o presidente francês, Jacques Chirac, e Bouteflika fracassaram. E isso em meio a protestos pela aprovação de uma lei em Paris que pede que as escolas francesas ensinem o “papel positivo” da colonização, vista como uma tentativa de glorificar seu passado colonial.


 


Diplomatas dizem que as tensões estão aumentando conforme as receitas do petróleo melhoram as finanças da Argélia, dando-lhe mais confiança para diversificar seus parceiros comerciais e afastar-se de uma dependência histórica da França.


 


Focos distintos
Paris está especialmente preocupada com uma recente parceria entre a Gazprom, o colosso de energia estatal da Rússia, e a Sonatrach, o grupo de gás argelino que é um grande fornecedor da França. “Existem muitas preocupações em Paris sobre os russos, os chineses e os alemães entrando no que muitos franceses ainda consideram seu quintal”, disse um diplomata.


 


Um teste-chave dessa diversificação econômica será a planejada privatização do Crédit Populaire d'Algérie, o terceiro banco do país, pelo qual muitos bancos franceses estão fazendo ofertas contra concorrentes estrangeiros maiores. Argel até apresentou uma surpreendente candidatura para ser membro da Comunidade Britânica, que inclui a Grã-Bretanha e suas antigas colônias.


 


Mas Zidane consegue se destacar acima da política. “Sou um esportista que não faz política”, disse a um jornalista argelino que lhe perguntou esta semana por que não fazia mais para apoiar a população berbere minoritária da região da Kabylia, no leste, de onde vieram seus pais. “Zidane é a ponte entre os dois países que transcende a política. Ele é maior que todas essas controvérsias”, diz Mohsen-Finan.


 


Fonte: Financial Times