Entrevistas inéditas revelam últimas aberrações de Pinochet

O ex-ditador chileno Augusto Pinochet – responsável pela tirania mais sangrenta da América Latina no século 20 – negou sua “criação”. Ele sustentava que “nunca” ordenou os assassinatos, torturas e violações dos direitos humanos cometidos pelos militares e

Quando presidente, Pinochet teria posto o general Manuel Contreras à frente da repressão “porque ele era bravo”, reconheceu que teve problemas com o chefe da Aeronáutica Gustavo Leigh desde o dia do golpe e insistiu em se definir como democrata.


 


Estas e outras revelações estão na entrevista concedida a uma historiadora e a três diretores da universidade privada Finis Terra enquanto o ex-ditador chileno estava preso em Londres. O depoimento, inédito, foi publicado pelo jornal La Tercera neste domingo (17/12).


 


Ao mesmo tempo, o jornal El Mercúrio divulgou uma entrevista feita em setembro de 1998, quando Pinochet era senador vitalício. Um mês depois, o ex-ditador viajaria para Londres e seria preso. Na época, o juiz espanhol Baltasar Garzón tentou, sem sucesso, obter sua extradição para a Espanha.


 


O general – que tomou o poder no Chile em 11 de setembro de 1973 ao derrubar o presidente socialista Salvador Allende – morreu no domingo passado aos 91 anos.


 


Sem culpa?
Sob sua ditadura de 17 anos (1973-1990), o Chile se tornou um palco de horror, com mais de 3 mil mortos e desaparecidos. Mesmo assim, Pinochet disse que dormia tranqüilo e que não tinha preocupações.


 


Seu relato sobre tortura é constrangedor: “Eu nunca dei uma ordem nesse sentido. Ordenei que nenhum detento fosse maltratado”, afirmou Pinochet durante a entrevista gravada em maio de 1999. Apesar da formação militar, o ex-ditador atribui todos “erros” de seu governo aos subalternos. “Se eles não me obedeceram, que culpa eu tenho?”.


 


E agrega que punia os responsáveis: “Quando eu tinha conhecimento de alguém que havia sido torturado, fazia um sumário e punha o responsável diante da Justiça.. Mas também não podia fuzilá-los (os agentes)“.


 


Também considerava “prepotente” o cardeal Raúl Silva Henríquez, e “não gostava” do presidente Patrício Aylwin – a quem passou o poder em 1990 após ter perdido o plebiscito de 1988.


 


“Coloquei Contreras (à frente da repressão) porque precisava de alguém forte, era necessário um homem que fosse bravo porque os outros eram muito bravos”, disse. Em seguida, acrescentou que Contreras foi destituído de seu cargo de chefe da Dina, a Polícia secreta, por deslealdade. “Ele mentiu para mim.”


 


A atuação de Contreras na Dina deixou 3.200 mortos – um terço deles desaparecidos – e mais de 28 mil torturados, segundo dados oficiais. Apesar dos números, o ex-ditador tem coragem de dizer: “Sempre fui um democrata”.


 


Por trás de bombardeios
Pinochet disse que o general Leigh hesitou quanto a bombardear o Palácio da Moeda, em 11 de setembro de 1973. “'Por que os aviões não chegam?', perguntei-lhe. Parece que ele (Leigh) não queria. Comecei então a movimentar os tanques, os canhões… iam fazê-lo (o palácio) em pedaços”, acrescentou.


 


O ditador também se referiu a julho de 1978, quando Leigh foi destituído após cinco anos e teve que entregar o cargo: “Achei que a aeronáutica ia se sublevar”. Sobre o cardeal Silva Henríquez, que defendia os direitos humanos, diz que “o considerava um prepotente”.


 


“Coloquei um general, depois outro e outro. Não adiantava, porque todos eram muito católicos. Abaixavam a cabeça. Eu não abaixava a cabeça para eles (os bispos) porque os conhecia”, disse Pinochet, sobre seu relacionamento com a Igreja Católica.


 


Com relação a Fernando Matthei, o primeiro membro da Junta Militar que reconheceu a vitória da oposição no plebiscito, disse que neste dia “ele estava se sentindo Deus porque aqueles que iam entrar no governo haviam feito muitos favores ele”. Pinochet admite que alguns colaboradores recomendaram que não entregasse o poder. “Não me lembro”, respondeu, no entanto, quando pediram nomes de alguns.


 


A transição
Sobre Patrício Aylwin, o ditador chileno disse que o ex-líder sempre lembrava que tinha pedido que Pinochet renunciasse ao Exército quando assumiu o comando, o que foi negado.


 


“Ele sempre me dizia: eu pedi ao senhor que saísse, mas o senhor me disse que não… Se nesta época eu não tivesse me intrometido em algumas ocasiões, era capaz que tivesse passado algo para o seu governo. Não quero nem lembrar dele. O senhor Aylwin me desagrada”, afirma.


 


Durante seu regime, Pinochet enfatizou reiteradamente seu desprezo por políticos. Mas na entrevista ao El Mercúrio – quando já tinha trocado o uniforme militar pelas roupas de senador – disse já se sentir confortável entre os políticos.


 


“Acho que há (no Senado) maior maturidade e as coisas são bem estudadas”, afirmou. “Não discursei muito porque não me sinto ainda capacitado para fazê-lo.” Pinochet manifesta até “compreensão” aos senadores que o repudiaram e levantaram cartazes com fotos de detidos desaparecidos no dia que assumiu o cargo.


 


“Compreendo que não gostassem de mim, mas isso não significou nada para mim”. E o ex-ditador vai além: “às vezes (esses senadores) passam dos limites comigo, em algumas ocasiões, mas os compreendo”.


 


Ao finalizar, uma reflexão sobre os chilenos: “O povo às vezes não é capaz de se dominar. Mas eu não tenho nenhum problema”. Para Pinochet, “não pode haver governantes que não tenham limites.” A regra, ao que se sabe, não valeu para ele.