Inaugurado no Ceará monumento de Niemeyer em homenagem à Coluna Prestes

A Coluna Prestes, a grande marcha de 25 mil quilômetros, que entre 1925 e 1927 passou por todos os estados brasileiro, deixou marcas também na história do Ceará. Marcando o reconhecimento definitivo da importância desse fato histórico, foi inaugurado na n

A Coluna Prestes, a grande marcha de 25 mil quilômetros, que entre 1925 e 1927 passou por todos os estados brasileiro, deixou marcas também na história do Ceará. Marcando o reconhecimento definitivo da importância desse fato histórico, foi inaugurado na noite desta quinta-feira, no município de Crateús (a 400 km de Fortaleza), um monumento em homenagem à Coluna Prestes. Concebido pelo mundialmente reconhecido arquiteto Oscar Niemeyer, que foi amigo de Luís Carlos Prestes (1898-1990), o monumento foi inaugurado com a presença de integrantes do Partido Comunista do Brasil, como o deputado estadual e deputado federal eleito Chico Lopes, do governador Lúcio Alcântara (PSDB) e de outros representantes do Governo do Ceará, responsável pela obra, a primeira de Niemeyer no Estado.


 



Cerca de 200 pessoas acompanharam a solenidade, marcada por um discurso do padre e historiador Geraldo Oliveira Lins, o padre Geraldinho, contextualizando o cenário histórico da Coluna Prestes e ressaltando a importância do monumento erguido em Crateús. “A Coluna Prestes superou a marcha de Mao Tse-Tung, em número de quilômetros e em sacrifícios. É a maior marcha da Idade Moderna, e um símbolo de valores como ética e justiça. E Crateús é uma referência da passagem da Coluna pelo Ceará”, enfatizou.


 



Em uma fala breve e emocionada, o deputado Chico Lopes parabenizou o governador Lúcio Alcântara pela iniciativa de erguer o monumento, reconhecendo um importante capítulo da história do Ceará e do Brasil. “É um dia alegre para nós, comunistas. A Coluna Prestes tem repercussão do regional ao internacional. E este monumento é um reconhecimento à saga daquela época, em que os comunistas procuraram um novo caminho”, destacou, referindo-se em seguida ao governador do Estado: “O doutor Lúcio nunca foi um homem de esquerda, mas é um homem democrático. No Ceará reconheceu a luta dos nossos companheiros, concedeu indenizações a quem sofreu com a ditadura militar e realizou esse monumento, que vai ser muito importante pra que mais gente procure conhecer a nossa história. A família de Luís Carlos Prestes e nós, comunistas, estamos muito felizes com essa homenagem”.


 



O prefeito de Crateús, José Almir (PMDB), também enfatizou a importância do monumento para que as gerações mais jovens tomem conhecimento da história da Coluna Prestes. “Os crateuenses, com o tempo, terão a compreensão desse monumento, de significado histórico muito grande”, declarou, lembrando que dois homens mortos em combate entre a Coluna Prestes e forças da repressão em Crateús foram sepultados na cidade, no Cemitério dos Revoltosos, na Várzea do Pau Branco.
Já o governador Lúcio Alcântara, em fim de mandato após a vitória da frente de esquerda integrada pelo PCdoB nas últimas eleições estaduais, destacou o caráter “profundamente idealista” da coluna Prestes na história do Brasil. “Como governador, considero um privilégio ter tido a oportunidade de fazer esse reconhecimento”, afirmou, citando também a produção de uma cartilha sobre a história da marcha. “Crateús ganha o primeiro marco sobre a Coluna Prestes no Ceará e o quarto no Brasil. E passa a ser a única cidade no Ceará com um monumento de Niemeyer”.


 



Luís Carlos Prestes e o Ceará


 



Revelando os traços inconfundíveis do consagrado arquiteto brasileiro, o desenho do monumento inaugurado na noite desta quinta-feira em Crateús foi originalmente encomendado a Oscar Niemeyer por Luís Carlos Prestes Filho – há cerca de 10 anos, segundo Papito Oliveira, presidente da Comissão de Anistia Wanda Sidou e integrante da equipe do Governo do Estado responsável por apresentar o projeto ao governo para execução. “O projeto estava engavetado lá no governo. Eu descobri e fui atrás, mostramos ao governador, e ele concordou em fazer. Igual ao da anistia”, diz, referindo-se ao processo de pagamento de indenizações e concessão de documentos reconhecendo formalmente a culpa do Estado na perseguição a opositores do regime militar vigente entre 1964 e 1985.


 



Pontuando que a obra, em concreto, custou R$ 65 mil aos cofres do Estado, Papito lembrou outras incursões do “cavaleiro da esperança” pelo Ceará. “Prestes esteve aqui em 1982. Naquele ano eu fui lançado candidato a vereador por ele, em comício na Praça José de Alencar (em frente ao teatro de mesmo nome, em Fortaleza), e fizemos um show pela paz mundial, na Concha Acústica. Já no final da vida, Prestes vinha descansar no Ceará. Tanto que só saiu daqui, do Cumbuco, pra morrer na casa dele”, recorda.


 


O monumento e a comunidade


 


Papito Oliveira reconhece que a relação da comunidade de Crateús, cuja população é de aproximadamente 73 mil habitantes, com o monumento ainda é uma história por se construir. “Inicialmente, houve muita surpresa por parte das pessoas. Mas estamos trabalhando essa questão há dois anos, e já sentimos melhoras, também devido ao lançamento da cartilha. Mas é uma questão cultural, além de política, e isso demanda tempo. Acho que daqui a um ano a população já estará bem mais consciente dessa história, que é dela também”, avalia.


 



Análise semelhante faz Mário Albuquerque, presidente da Associação Anistia 64-68, que levou um total de 16 pessoas de Fortaleza a Crateús, para a inauguração do monumento. “Crateús já é uma terra de muita história. É, por exemplo, a terra de Dom Fragoso, responsável por um dos focos de resistência à ditadura militar”, menciona, acrescentando: “Com o monumento, a cidade tá uma polêmica. Muita gente estranha, pergunta o que é isso. E é bom, porque desperta curiosidade pra história, inverte a tradição brasileira de construir o esquecimento, e não a memória. A maioria da população tá despertando pra isso agora. Penso que num futuro breve aqui deve se formar um centro cultural”.


 



Um dos moradores de Crateús filiados ao PCdoB, Judmilson Moura Costa confirma que muitos na cidade desconhecem a história da Coluna Prestes e que a obra dividiu opiniões. E já suscitou brincadeiras na linguagem popular. “Tem gente que chama de pitoco, ou de braço do Zé Almir”, diz, apontando a comparação entre o monumento e o “braço torto” do prefeito da cidade. “Falta compreensão do que foi a Coluna, mas acho que através desse movimento e de outras atividades, como a cartilha e as matérias que têm saído nos jornais, isso tende a mudar”, contrapõe.


 



A tendência já é confirmada por moradores como Luís Antônio, que só tomou conhecimento da história da Coluna Prestes a partir das obras para a construção do monumento. E decidiu dar sua contribuição. Proprietário de uma bomboniére, decidiu patrocinar os cuidados com a obra, incluindo o jardim nos arredores do monumento e a sua iluminação. “Sou filho da cidade, e acho que, se todo cidadão desse uma ajuda, a gente saberia mais da nossa história”. Oito décadas depois, a grande marcha segue deixando marcas e modificando pessoas e realidades.


 



De Crateús-CE,
Dalwton Moura