Noam Chomsky : A camarilha do poder nos EUA está desesperada

O lingüista e ativista americano Noam Chomsky, em entrevista realizada pelo jornal alemão Kölner Stadt-Anzeiger, da cidade de Colônia, afirma que os EUA há tempos abdicaram do respeito à liberdade como um dos princípios básicos do direito in

Kölner Stadt-Anzeiger: Professor Chomsky, há 30 anos você ataca a política americana, seja qual for o governante que ocupe a Casa Branca. Como você vê o seu papel de agitador?


 


Noam Chomsky:  Isso deve ser julgado por outras pessoas. Eu tento colocar um grãozinho de areia a mais em um mundo melhor, por exemplo, me reunindo à noite com representantes do ''City Life'', um grupo que se preocupa dos pobres aqui em Boston, ou reunirme na América do Sul com ativistas indígenas ou organizações estuidantis. Na realidade, não posso imaginar para mim uma tarefa mais útil e valiosa. É uma espécie de vocação.


 


Neste mês (dezembro) você faz 78 anos e vive 24 horas por dia agitando o meio intelectual e político. O que você acha desse seu destino?


 


Desculpe, mas acho que a questão está mal feita. Eu me pergunto porque não consigo fazer mais diante da miséria existente no mundo e da perigosa herança que estamos deixando para nossos filhos e netos.


 


Seus filhos se assustam de que, como esquerdista e não religioso, faça advertências em seu livro O Estado Fracassado de que o mundo esteja próximo de um Armagedon , em relação às armas atômicas dos EUA.


 


Usei uma citação do ex-senador conservador Sam Nunn, que teme que o agressivo militarismo do governo Bush aumente o risco de um Armagedon, induzido por ele mesmo. Robert McNamara, ex-secretário da Defesa, também adverte sobre o Apocalipse se mantivermos o curso atual. Eu compartilho dessas visões, mesmo que não sejam minhas. Mas elas são de personalidades que têm muito prestígio e, desgraçadamente, são muito plausíveis.


 


O que significa o fato de os EUA não respeitarem a liberdade como um dos príncipios básicos do Direito Internacional?


 


É extremamente perigoso que um Estado se proclame a sim mesmo como ''fora da lei''; que, veja-se o Iraque, não se sinta vinculado ao direito nem às normas internacionais. E se isso é defendido pelo Estado mais poderoso que existiu na história universal, a ameaça para a paz é enorma. Enquanto os EUA, sob a administração Bush, descumprirem desavergonhadamente o direito internacional, recairão sobre os americanos a mesma reprovação que se fazia ao regimes fracassados da Alemanha nazista e da União Soviética. Eles não fracassaram porque foram fracos, mas porque a razão não era nenhuma régua útil para eles.


 


Enquanto isso, o extremismo se converteu em algo normal e os principais meios de comunicação do país admitem isso, acreditam que a invasão do Iraque pode ser equiparável ao ataque a Pearl Harbor em 1941 por parte do Japão. Minha crítica ficou ainda mais aguda desde que se revelaram as torturas e a infração à Convenção de Genebra por parte do Exército. É possível que o conceito de extremismo se torne muito pequeno.


 


Alguns reprovam Bush pelo seu extremismo ''renascido''. Que você entende por isso?


 


Não acusei Bush de ser o pior presidente da história americana, nisso sou moderado. Muitos observadores levam a sério a atitude de cristão renascido de Bush. Eu tenho minhas dúvidas a esse respeito, ainda que muitos de nós acreditem que estejamos próximos do fim do mundo. Isso não é novo. A novidade é que os cínicos estrategistas do partido reconhecem que o extremismo religioso pode ser convertido em poder político. Isso não é nenhuma evolução saudável, para não usar termos piores.


 


Você reprova o ''orgulho desmesurado'' de Bush. Ele não perdeu isso com a recente derrota eleitoral?


 


A perda do controle do Congresso poderia conduzir a uma postura mais moderada. Mas pode ocorrer exatamenteo o que os extremistas cegos, Dick Cheney e mais alguns, queiram aplicar mais violência para resolver as coisas.


 


Teme uma intervenção militar contra o Irã?


 


Espero que não, mas não posso excluí-la. O exército e os serviços secretos repudiam tal operação, do mesmo modo que outras partes do mundo, inclusive Israel. Todos estão de acordo de que as conseqüências seriam terríveis. Mas a camarilha do poder em Washington está desesperada. Organizou uma catástrofe no Iraque e talvez queira resolver os problemas com um martelo em cada uma das mãos. Apóio o governo no que tange a seus esforços no sentido de deter a proliferação e entrega de armas atômicas.


 


Que espera dos democratas, que agora estão numa posição melhor?


 


Duvido que o reforço de sua posição repercuta na política externa. Na atualidade, os democratas não são um autêntico partido de oposição. A maioria dos eleitores não vêm diferenças entre os pontos de vista de republicanos e democratas e isso não é porque as pessoas são apáticas ou tolas. É que, aqui, se abre uma profunda cisão entre a opinião da população comum e a da elite política.


 


Sua opinião soa pessimista. Tem algum resquício positivo?


 


Não sou somente pessimista. Nós conseguimos muito, somos talvez o primeiro país que conquistou a liberdade de expressão. Mas, por que não temos mais a escravidão? Por que nossas mulheres têm os mesmos direitos dos homens? Não é porque os reis e os bispos nos presentearam com isso. É o resultado de duras batalhas, é o resultado de resistência e da desobediência. Essa é minha opinião.


 


Entrevista feita por Harald Biskup para o site do jornal alemão Kölner Stadt-Anzeiger em 6 de dezembro deste ano. O original deste artigo em espanhol está em http://www.rebelion.org/noticia.php?id=42718