Voto histórico de Marco Aurélio: “Democracia não é a ditadura da maioria”

O voto do ministro Marco Aurélio Mello demonstrando a inconstitucionalidade da cláusula de barreira foi uma peça jurídica de forte repercussão política. Conquistou a unanimidade dos votos do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da quinta-feira pa

Marco Aurélio baseou-se no Artigo 17 da Constituição Federal, que consagra a liberdade para a criação dos partidos políticos e autonomia para seu funcionamento. E examinou a situação criada pelo artigo 13 da Lei dos Partidos, que estabelecia a “cláusula de barreira, ou de exclusão, ou de desempenho”. Ele examinou o quadro saído da eleição de 1º de outubro para a Câmara dos Deputados, e constatou que dos 29 partidos registrados no país apenas sete (PT, PMDB, PSDB, PFL, PP, PSB e PDT) teriam passado a “verdadeira corrida de obstáculos” prevista na barreira do artigo 13.



Um legado da ditadura militar



“A prevalecer, o disposto no artigo 13 da Lei nº 9.096/95” os demais partidos “ficarão à míngua, vale dizer, não contarão com o funcionamento parlamentar, dividirão, com todos os demais partidos registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral, a percentagem de um por cento do fundo partidário e, no tocante à propaganda partidária, terão, por semestre, apenas dois minutos restritos à cadeia nacional”, especificou o relator.



Recordou que a cláusula de barreira foi implantada no Brasil pela ditadura militar, com a Constituição de 1967, que estabelecia uma barreira de 10%. Mas que, com o fim da ditadura, “os novos ares constitucionais, os benfazejos ares democráticos”, consagraram outro entendimento na Constituição de 1988. “O artigo 1º revela como um dos fundamentos da própria República o pluralismo político – inciso V. Já o parágrafo único do citado artigo estabelece que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos do Diploma Maior”, afirma o voto.



Elogio do pluripartidarismo



Marco Aurélio cita o artigo 17 da Constituição. E destaca que este “diz respeito a todo e qualquer partido político legitimamente constituído, não encerrando a norma maior a possibilidade de haver partidos de primeira e segunda classes, partidos de sonhos inimagináveis em termos de fortalecimento e partidos fadados a morrer de inanição”.



“Em última análise, as previsões constitucionais encerram a neutralização da ditadura da maioria, afastando do cenário nacional óptica hegemônica e, portanto, totalitária. Concretizam, em termos de garantias, o pluralismo político tão inerente ao sistema proporcional, sendo com elas incompatível regramento estritamente legal a resultar em condições de exercício e gozo a partir da gradação dos votos obtidos”, defendeu o ministro.



“Resumindo, surge com extravagância maior interpretar-se os preceitos constitucionais a ponto de esvaziar-se o pluripartidarismo, cerceando, por meio de atos que se mostram pobres em razoabilidade e exorbitantes em concepção de forças, a atuação deste ou daquele partido político”, afirmou ainda.



Os exemplos de Aldo e Alencar



O relator argumenta com o caso do PCdoB: “Nos dias de hoje, tem-se exemplo marcante da extravagância da disciplina legal. O histórico e fidedigno Partido Comunista do Brasil logrou obter 2,12% da totalidade dos votos para a Câmara dos Deputados, significando esta percentagem substancial votação – um milhão, novecentos e oitenta e dois mil, trezentos e vinte e três votos em noventa e três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e cinqüenta e oito votos -, perfazendo a percentagem de dois por cento dos votos em nove Estados – Acre, Amazonas, Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão, Bahia, Pernambuco e Amapá – e elegendo 13 deputados. Conta hoje com integrante a presidir a Câmara dos Deputados – o deputado Aldo Rebelo. Pois bem, ante a incidência do artigo 13, na próxima legislatura, de duas, uma: ou o deputado Aldo Rebelo migra para outro partido, em condenável polivalência político–ideológica, ou terá que desistir de concorrer à reeleição.”



“Mais ainda: o atual vice-presidente da República, José Alencar, é do Partido Republicano Brasileiro – PRB. Foi reeleito. O Partido não veio a atender às exigências legais nas últimas eleições, elegendo 1 deputado. Contará com integrante vice-presidente da República, mas com deputado órfão, sem endosso partidário, na Câmara dos Deputados”, denuncia o voto.



Para Marco Aurélio, com o artigo 13 da Lei dos Partidos, “a Carta (constitucional) acabou alterada mediante lei ordinária!” (a interjeição é do ministro). “Está-se a ver que o disposto no artigo 13 da Lei nº 9.096/95 veio a mitigar o que garantido aos partidos políticos pela Constituição Federal, asfixiando-os sobremaneira, a ponto de alijá-los do campo político, com isso ferindo de morte, sob o ângulo político-ideológico, certos segmentos, certa parcela de brasileiros. E tudo ocorreu a partir da óptica da sempre ilustrada maioria”, ironizou.



Diversidade é fator de crescimento



O voto discorre em detalhe sobre as injustiças que a cláusula de barreira impunha, no funcionamento parlamentar, na distribuição do Fundo Partidário e no acesso aos programas de divulgação da linha partidária em redes de rádio e TV. E polemiza com “a bandeira leiga da condenação dos chamados partidos de aluguel”.



“Que fique ressaltado, em verdadeira profissão de fé, em verdadeiro alerta a desavisados, encontrar-se subjacente a toda esta discussão o ponto nevrálgico concernente à proteção dos direitos individuais e das minorias, que não se contrapõe aos princípios que regem o governo da maioria”, afirma Marco Aurélio.



“Aliás, a diversidade deve ser entendida não como ameaça mas como fator de crescimento, como vantagem adicional para qualquer comunidade que tende a enriquecer-se com essas diferenças”, diz ainda. E enfatiza: “É de repetir até a exaustão, se preciso for: Democracia não é a ditadura da maioria!”.



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