Reforma da Previdência: os ataques à ''Constituição Cidadã''

O principal argumento dos neoliberais contra a Previdência Social é o de que ela ganhou deveres sem a contrapartida em direitos. Não é verdade. O que está por trás desse argumento é a tática dos conservadores de desqualificar as bandeiras progressistas.

Por Osvaldo Bertolino


 


O principal argumento usado pelos neoliberais na sistemática campanha contra a Constituição de 1988 é que ela foi aprovada na contramão da história. Dizem eles que a Assembléia Nacional Constituinte atribuiu ao Estado um papel e um peso na vida do país, distribuindo direitos para todo lado sem se preocupar com quem pagaria a fatura, no exato momento em que o “livre mercado” despontava como a salvação econômica do mundo. Os constituintes, afirmam os conservadores, não sentaram para fazer as contas e a nova Carta tornou o país ingovernável porque a experiência doméstica e internacional já tinha mostrado não ter mais sentido o termo ''Constituição Cidadã'' – como proclamou o doutor Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte.


 



Não é por acaso, pois, que só na Câmara dos Deputados quase 2 mil emendas à Constituição tenham sido propostas desde sua entrada em vigor. O furor mudancista se explica pelo fato de que alterações, tendo em vista o timing ideológico da Constituição, é uma adaptação ao furacão neoliberal que ganhou força com a queda do Muro de Berlin. Mas esse furor certamente reflete outro fenômeno, a respeito do qual pouco se fala: ainda não há, na sociedade brasileira, um consenso sobre como devem ser as instituições. A Constituição foi escrita quando as forças direitistas sofriam os efeitos da ascensão dos movimentos progressistas que suplantaram a ditadura militar. Um ano depois, com a eleição de Fernando Collor de Mello à Presidência da República, o jogo se inverteu.


 


Preservação da Constituição


 


Desde então, a direita foi para o ataque e investe pesado contra o direito de greve, flerta com o autoritarismo partidário – a inconstitucional cláusula de barreira é o maior exemplo disso – e uma corrente fortemente representada pela “grande imprensa” debocha às claras da nossa ''democracia permissiva'' aos movimentos sociais. Conviver com uma Constituição mutante é um problema. Em teoria, as constituições servem para garantir um arcabouço geral para o funcionamento dos países. São, portanto, uma espécie de alicerce sobre o qual se sustentam as demais leis. Se o alicerce é frágil, todo o corpo legal perde força. A luta pela preservação da Constituição, portanto, é uma dessas bandeiras mandatórias para o movimento sindical, inclusive pelo aspecto democrático que ela encerra.


 



Os motivos são reais. Para começo de conversa, a batalha reflete a disputa entre forças progressistas e conservadoras. Hoje, o principal alvo dos reformistas é o título da ordem social – no qual está inscrito todo o espectro da Previdência Social. Está aí um assunto que não se resolve apenas com conversas. O ambiente político está carregado por reivindicações econômicas de quem está pagando caro pela sobrevivência na crise econômica. E cristaliza-se entre os trabalhadores a impressão de que o presidente Luis Inácio Lula da Silva não tem medo de careta.”As contas da Previdência Social são um problema muito mais do Tesouro Nacional do que da própria Previdência”, disse ele recentemente. É sinal de disposição para a luta e de vontade de vencer. E nessa tarefa Lula precisa do apoio dos trabalhadores.


 


Administração da macroeconomia



O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernardo Appy, também se manifestou nesse rumo. Segundo Appy, a Previdência é um acordo social entre diferentes gerações de uma sociedade. ''A questão é como encontrar o equilíbrio entre a necessidade de garantir uma renda adequada (para os aposentados) e o financiamento desse sistema”, afirmou. É óbvio que esse “acordo social” requer a inclusão de recursos do Tesouro Nacional. Foi com base nessa premissa que a bancada de deputados do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) apresentou um projeto de lei promovendo a inclusão previdenciária dos trabalhadores do mercado informal, donas de casa, estagiários, empregados domésticos – com os respectivos incentivos para as empresas pagarem em dia as contribuições.


 



A questão toda se resume ao conceito de administração da macroeconomia. Sem cortar os benefícios concedidos pelo Estado, o governo terá dificuldades para manter o elevado superávit primário exigido pelos compromissos com o setor financeiro. Para cumprir esses “contratos”, o governo terá de quebrar o contrato social assumido pela sociedade com a Constituição de 1988. Afinal, como Lula costuma dizer, controlar as contas de um país é o mesmo que acertar o caixa de casa: adequar a saída de recursos à entrada. E quando os gastos incham de um mês para outro, como no caso do pagamento de juros à ciranda financeira, é preciso compensar a despesa de alguma forma. É aí que entra a diferença a respeito do papel do Estado entre progressistas e conservadores.



 


Outros benefícios do INSS



 


Uma das maiores vantagens geradas pela mudança no Ministério da Fazenda, com a saída de Antônio Palocci, se refere ao tratamento que está sendo dado aos gastos públicos. Palocci vinha acenando com a intenção de realizar um corte profundo nas despesas sociais, mas pouco conseguiu de concreto. Seu sucessor, Guido Mantega, tem acenado em outra direção. Para ele, os investimentos públicos devem aumentar sem o sacrifício dos direitos sociais. É evidente que o ministro contraria os neoliberais. O aumento do investimento público é uma necessidade indiscutível: desde 1991, quando a “era neoliberal” ganhou impulso, esse investimento – em estradas, portos e aeroportos, por exemplo – caiu de 2,9% do PIB para 1,9%, um dos mais baixos da história. Mas ele não pode implicar em cortes sociais. Seria uma perversidade para a imensa maioria da sociedade.


 


O trabalhador brasileiro deve analisar não só a aposentadoria, mas os outros benefícios que o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) oferece – como os auxílios doença e maternidade. A arrecadação do INSS sustenta 15 milhões de aposentados. Mais da metade dos recursos arrecadados é gasta com apenas 10% dos beneficiários do sistema. O restante, como disse Lula, entra na conta dos benefícios concedidos pela Assembléia Nacional Constituinte, sob a responsabilidade do Tesouro Nacional. Diante dessa situação, a Previdência Social se inscreve como um ponto crucial da batalha de fundo entre forças progressistas e conservadoras. Afinal, são as espertas lideranças neoliberais que querem os recursos públicos a serviço exclusivo dos interesses privados. Encerro esta série aqui.


 


 


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