Pinochet (1915-2006): retrato de um carniceiro

Morto aos 91 depois de enfartar no Hospital Militar de Santiago, o general Augusto Pinochet enfrentava quatro processos por violação dos direitos humanos e outros dois por enriquecimento ilícito. Problemas de saúde retardaram andamento dos autos, impedind

Augusto Pinochet, que morreu neste domingo (10) aos 91 anos, esteve à frente de uma ditadura sangrenta e marcou a história política chilena das últimas três décadas, depois da sua irrupção com o golpe militar de 11 de setembro de 1973, que depôs o governo socialista de Salvador Allende.



Pelos fatos que ocorreram nos 17 anos que se seguiram, nos quais liderou uma ditadura sangrenta, Pinochet prestou contas à história somente em seus últimos anos de vida, quando viveu sob prisão domiciliar e foi processado pelo simbólico caso da Caravana da Morte, a missão militar que percorreu o país e deixou 75 mortos.



Assassino e corrupto



Seus processos judiciais, no entanto, não se limitaram às violações dos direitos humanos. Ele também foi investigado por uma suposta fortuna depositada em contas secretas no exterior.



Nascido em Valparaíso (140 quilômetros a oeste de Santiago) em 25 de novembro de 1915, Pinochet entrou aos 18 anos na Escola Militar. Galgou postos na corporação e em 23 de agosto de 1973 foi nomeado comandante em chefe do Exército pelo presidente Allende, por recomendação de seu antecessor, o general Carlos Prats.
Dezenove dias mais tarde se levantou contra Allende e, um ano mais tarde, Prats morreu em um atentado a bomba em Buenos Aires, onde vivia exilado, em uma ação planejada pela Direção de Inteligência Nacional (Dina), a temida polícia da ditadura.



3.085 mortos pela ditadura



Pinochet exerceu o poder com mão-de-ferro: fechou o Parlamento e os meios de comunicação que comungavam ideologicamente com o governo de Allende; declarou ilegais os partidos políticos e as organizações sindicais; e converteu o Estádio Nacional de futebol em um gigantesco campo de concentração de prisioneiros políticos.



O seu regime acumulou 16 condenações das Nações Unidas (ONU) por violações aos direitos humanos e em 1991 a Comissão Rettig, conformada para investigar internamente tais violações, constatou que entre 1973 e 1990 houve 1.197 presos desaparecidos e 1.888 executados sem julgamento prévio. O posterior Relatório Valech recebeu as denúncias de 35 mil sobreviventes das prisões secretas, além de um milhão de exilados, impedidos de voltarem ao país.



Em 1978 decretou uma Lei de Auto-anistia para proteger os membros dos temidos aparatos de segurança, a Dina, que mais tarde se tornou a Central Nacional de Informações (CNI), integrada por militares e civis que mantiveram o país sob um estado de terror.



A derrota no plebiscito



Em 1980, ordenou uma nova Constituição que concentrava todos os poderes na sua pessoa e prolongou o seu mandato presidencial por oito anos. Em 7 de setembro de 1986, saiu ileso do único atentado perpetrado contra ele. Foi um ato da pró-comunista da Frente Patriótica Manuel Rodríguez, que atacou a sua comitiva quando voltava de sua residência de descanso, a 30 quilômetros de Santiago.



Em agosto de 1988 foi designado pela Junta Militar (que durante toda a ditadura exerceu uma espécie de função de poder legislativo) candidato único à presidência de 5 de outubro, quando 55,2% dos chilenos responderam “não” ao plebiscito sobre a continuidade do governo de Pinochet por mais oito anos. Então, teve que convocar eleições para dezembro de 1989.



Pinochet entregou o cargo em 11 de março de 1990 no novo Congresso Nacional situado em Valparaíso, mas continuou a exercer o poder através do Comando em Chefe do Exército, que reteve constitucionalmente por oito anos e por onde defendeu os enclaves autoritários da Constituição, garantiu a impunidade aos militares e civis comprometidos nas violações aos direitos humanos e impediu uma transição de fato para a democracia, favorecendo ações que marcaram o início de uma fraca transição à democracia.



A primeira prisão, em Londres



Em 16 de outubro de 1998, foi preso em uma clínica em Londres por ordem do juiz espanhol Baltazar Garzón, que pretendia processá-lo por violações aos direitos humanos. Permaneceu detido por 503 dias até que o ministro do Interior britânico, Jack Straw, autorizou o seu retorno ao Chile por motivos de saúde.



No Chile, se apresentaram mais de 300 acusações por familiares das vítimas da ditadura, e o juiz Juan Guzmán conseguiu interrogá-lo, processá-lo e prendê-lo pelos crimes da Caravana da Morte. No entanto, a Corte Suprema acatou os motivos de saúde apresentados pela defesa e determinou o perdão provisório em julho de 2002.



Contas secretas milionárias



No dia seguinte, Pinochet renunciou ao seu cargo vitalício no Senado, com o que parecia encerrar a sua história política, pois os partidos de direita (nos quais participavam colaboradores de seu governo) se afastaram dele.



Em junho de 2004, uma investigação do Senado norte-americano descobriu que Pinochet mantinha contas secretas milionárias no Banco Riggs, levantando suspeitas de que a origem desse dinheiro podia vir do comércio ilegal de armas, do narcotráfico ou do desvio de fundos do Fisco chileno.



Pinochet enfrentou a reabertura dos processos por violações aos direitos humanos, a perda de sua imunidade como ex-presidente e estava sendo julgado em quatro destes processos, além de outros dois por enriquecimento ilícito. O ex-ditador morreu às 14h15, horário chileno, ao enfartar no Hospital Militar de Santiago.



Fonte: Agência Ansa; intertítulos do Vermelho