Movimentos do Brasil se incorporam à Cumbre Social na Bolívia

Nem a alta altitude, que provoca cansaço e tonturas, nem a chuva fria espantaram os participantes da Cumbre Social pela Integração dos Povos, que começou nesta terça-feira (6/11), em Cochabamba, na Bolívia. Por todo o dia, circularam pelas dependências

Os  participantes se dividiram entre as dezenas de atividades simultâneas e as tendas de comida típica e artesanato. Muitas delegações de todo o continente ainda estão chegando à cidade para participar desse espaço de articulação dos movimentos sociais em luta pela soberania e integração solidária dos povos.


 


A Cumbre Social antecederá a Cúpula dos Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de nações, que acontecerá dias 8 e 9 próximos. Para que os movimentos sociais interfiram nas decisões que serão tomadas nessa Cúpula presidencial, os participantes da Cumbre produzirão ao longo desses 4 dias uma carta de reivindicações que será apresentada aos presidentes no sábado, dia 9.


 


A Cumbre ocorre em meio a uma forte tensão social na Bolívia. A chegada de Evo Morales, líder indígena cocaleiro, ao poder em janeiro deste ano abriu o caminho a várias mudanças na Bolívia. Entre elas, a nacionalização dos hidrocarburetos, a recém-aprovada Lei de Terras (que impulsiona o processo de reforma agrária no país) e a Assembléia Constituinte.


 


Todas essas medidas geraram uma forte reação das elites. Nas últimas semanas, elas partiram ao conflito direto com setores organizados do povo que apóiam Evo. Para o governo boliviano, a realização da Cumbre Social e da Cúpula presidencial servirão para divulgar a todo o continente qual o conteúdo do projeto que está sendo aplicado no país.


 


O formato da Cumbre
Dividida em 13 eixos temáticos (Militarização, Água, Comércio, Agricultura e território, Energia, Revalorização da folha de coca, Justiça e impunidade, Migração, Infra-estrutura, Financiamento, Meio Ambiente, Direitos Sociais e Povos Indígenas), a Cumbre contará com quatro espaços de intersecção e diálogo entre os movimentos sociais e populares e os governos.


 


O primeiro momento aconteceu no dia de hoje, 6 de dezembro, quando um representante social de cada país se reuniu com os vice-chanceleres de todos os 12 países participantes da cúpula. Depois, ao longo dos quatro dias do evento serão realizados sete painéis temáticos, que terão entre os debatedores tanto representantes de governos quanto dirigentes sociais.


 


No dia 9, três representantes da Cumbre Social irão se encontrar com os chefes de Estado presentes em Cochabamba, para lhes entregar o documento final de reivindicações formulado pelos participantes da Cumbre. Por último, será realizado um ato público com a presença de presidentes e de líderes dos movimentos sociais de todos os países.


 


Uma significativa delegação brasileira está presente ao evento. Representantes de UNE, CUT e MST, entre outras ONGs e movimentos, participam de forma protagonista dos espaços de debate. O objetivo é construir uma agenda de lutas conjunta para todo o continente, capaz de impulsionar ainda mais as mudanças e a integração iniciadas a partir da eleição de uma série de governos progressistas na América Latina.


 


Educação – um gargalo
Num primeiro dia bem agitado, foi possível acompanhar alguns temas importantes que estão sendo desenvolvidos dentro da Cumbre. Promovido pela UNE em conjunto com a Oclae, realizou-se nesta terça feira a atividade ''O papel estratégico da educação na integração''. Com a presença de cerca de 30 pessoas de diversas nacionalidades, entre estudantes e professores, foi feito um breve diagnóstico da realidade da educação no continente.


 


A região possui 13 milhões de estudantes matriculados no ensino superior – mas ao mesmo tempo 37 milhões de analfabetos. Demonstra-se que a média de matriculas no ensino superior privado é de quase 50% no nosso continente suscitaram o debate. Identificando o novo momento político que vive a América Latina, os participantes da atividade apontaram a luta contra a mercantilização da educação como eixo prioritário de ação.


 


A necessidade de fortalecer o ensino público e todos os níveis e investir em programas de alfabetização também foram pautados. Segundo a diretora de Relações Internacionais da UNE, Lúcia Stumpf, ''não é possível falar de integração solidária do povo latino-americano sem discutir uma nova educação em nossos países. Fortalecer o ensino público é o ponto de partida para a construção de um novo projeto educacional voltado ao desenvolvimento soberano dos países com fortalecimento da identidade cultural regional''.


 


Para o diretor da Oclae Luciano Resende, ''serão as pressões e mobilizações dos movimentos educacionais que garantirão as transformações necessárias à educação''. Luciano acredita que ''não será fácil reverter o prejuízo deixado por décadas de políticas neoliberais aplicadas em nossos países''. Em sua opinião, ''precisamos impulsionar as mudanças que governos progressistas como o do líder indígena Evo Morales, de Chávez e de Lula são capazes de construir na educação.''


 


A FUP e a questão energética
Ademir Caetano, diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP, filiada à CUT), foi expositor no painel temático sobre a questão energética. Tratando a problemática energética dentro do contexto da integração, o enfoque central de Caetano se deu sobre a exploração do gás – tema recorrente na Bolívia por conta da recente tensão entre esse país e a Petrobras no episodio da nacionalização dos hidrocarburetos.


 


Segundo Caetano, ''é preciso que as empresas estatais em todos os países latino-americanos socializem suas tecnologias em benefício dos povos. Para garantir uma integração soberana no nosso continente, não podemos seguir assistindo às empresas da área energética funcionando como estatais dentro de seus países de origem e como multinacionais nos países vizinhos''.


 


Os impactos ambientais sobre o uso energético também foram bastante abordados pelos participantes do debate. Tanto a exploração predatória de fontes minerais como o gás e o petróleo quanto as conseqüências ambientais geradas pela monocultura utilizada na produção do biodiesel foram citadas.


 


Sindicalismo
O Foro Sindical – que reúne a ORIT e as coordenações regionais – teve sua reunião no primeiro dia da Cumbre Social. Sobre o tema geral da Integração, foram debatidas questões como livre-comércio, direito dos trabalhadores e agenda laboral.


 


De acordo com Pascoal Carneiro, diretor nacional da CUT, ''esse espaço de articulação do movimento sindical é imprescindível para que sejamos capazes de buscar uma maior unidade para ação e luta dos trabalhadores de toda a América Latina, no sentido de impulsionar conquistas e construir uma maior integração entre os povos''.


 


Ainda segundo Pascoal, ganha respaldo a idéia apresentada pela CUT ao Foro sobre a necessidade de se criar um Fórum Sindical das Américas, que aglutinaria todas as centrais sindicais da América Latina mais as articulações mundiais FSM e CSI. Ao final do evento foi apontado pela Orit a articulação de um Fórum de unidade das ações sindicais nas Américas. Esse debate deverá ser apofundado nos próximos espaços da Orit.


 


A abertura oficial da Cumbre só foi realizada ao fim do dia no teatro Coliseo. Uma cerimônia mística dos povos originários locais pediu proteção e êxito à Cumbre para a divindade Pacha Mama. Em seguida, uma série de apresentações culturais fori intercaladas com as intervenções dos representantes dos diversos setores sociais organizados.


 



Cerimônia mística enaltece o encontro na Bolívia