Análise: Centrais, governo e a luta pelo salário mínimo

Por André Barrocal (Carta Maior)


Na véspera de iniciar uma negociação com o governo que promete ser dura, as centrais sindicais mostraram que estão prontas para agir unidas em defesa da valorização do salário mínimo e de uma tributação

Na manifestação, as centrais sacramentaram as propostas com as quais vão entrar nas negociações com o governo. Querem que o salário mínimo tenha uma política de valorização permanente para o futuro, começando por um valor de R$ 420 a partir de 2007; que o reajuste do ano que vem seja antecipado para março; e que a tabela do imposto de renda seja atualizada em 7,77%, para zerar perdas inflacionárias ocorridas no governo Lula.


 


“Em outras mobilizações, já houve até briga que a gente escondeu da imprensa. Mas agora existe unidade de verdade”, disse o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva. “Temos divergências, mas o momento é de união”, afirmou o secretário-geral da Social Democracia Sindical (SDS), Miguel Salaberry Filho.


 


As centrais precisam estar juntas para tentar emplacar as reivindicações porque, até agora, o governo emitiu sinais que apontam menos disposição para concessões. No caso do salário mínimo, oferece R$ 367 e diz que os gastos da Previdência impedem reajuste maior, ainda mais num momento em que prepara pacote de controle de despesas. Em relação ao imposto de renda, só aceita corrigir a tabela em 3%, e até já fez um acordo com parlamentares.


 


A primeira rodada de negociações será realizada nesta quinta-feira (7/11), em reunião das centrais com os ministérios do Trabalho, da Previdência e da Fazenda. Durante a marcha, as propostas dos sindicatos foram entregues ao presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL).


 


Sinais sobre o próximo mandato
Para o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva Santos, mais do que a discussão das propostas pontuais sobre mínimo e imposto de renda para 2007, a negociação que começa será importante pois vai evidenciar a posição que o governo adotará ao longo de todo o próximo mandato.


 


O debate sobre salário mínimo promete ser especialmente delicado. As centrais encaram o piso como instrumento essencial de valorização do trabalho e de distribuição de renda. Por isso, sonham com regras que o aumentem ao máximo no futuro. Mas o governo enxerga no mínimo uma arma para controlar gastos sem ter de aprovar leis ou mexer na Constituição. O mínimo serve de referência para quase 40% (R$ 210 bilhões) das despesas previstas pelo governo para 2007, conforme a proposta de orçamento.


 


“Nós queremos desenvolvimento econômico com distribuição de renda. E isso só se faz com aumento real do salário mínimo”, disse Artur Henrique. “Nos últimos anos houve, reajustes reais (do salário mínimo) que, parece quase consensual no governo, nós não temos condição de manter no mesmo nível”, afirmou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, na segunda-feira (4), em evento em São Paulo.


 


O controle do mínimo tem importância particular para o governo por permitir conter gastos do Instituo Nacional do Seguro Social (INSS), um reclamo empresarial. Mais ou menos dois terços dos benefícios previdenciários estão indexados ao piso. “Sem a reforma, que o governo não vai fazer, o controle dos gastos vai estourar no mínimo”, disse o deputado Tarcisio Zimmermann (PT-RS), da Comissão de Trabalho da Câmara, em seminário que encerrou a marcha.


 


No entanto, para o economista Anselmo Luís dos Santos, do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o caixa do INSS se equilibrará naturalmente, caso o País volte a crescer. Por isso, argumentou o professor no mesmo seminário, haveria espaço para valorizar o mínimo.


 


“Com crescimento acelerado da economia, a arrecadação e a contribuição previdenciária tendem a crescer mais – e isso não coloca as contas do país em risco”, disse o economista, citando um dado: de 1994 a 1997, o País cresceu em média cerca de 4%, enquanto a arrecadação da Previdência subiu 36% acima da inflação.


 


Salário mínimo e distribuição de renda
As centrais estão dispostas a lutar por um salário mínimo superior ao das pretensões do governo, mesmo que a maioria dos trabalhadores sindicalizados pertença a uma espécie de elite da categoria e desconheça a realidade de viver com o piso. O motivo é a convicção de que o mínimo ajuda a distribuir renda e a reduzir a pobreza.


 


Daí terem se juntado para aquele que pode ser considerada a maior negociação salarial do mundo. “99% dos que estão aqui não ganham salário mínimo, mas todo mundo reconhece a importância dele”, disse o presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Antonio Fernando dos Santos Neto.


 


No Brasil, 43,7 milhões de pessoas têm rendimentos no valor exato de um salário mínimo, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese). São aposentados do INSS, trabalhadores domésticos, gente que ganha a vida por conta própria, entre outros. Para se ter uma idéia da importância do salário mínimo para a economia brasileira, se a proposta de R$ 420 fosse vitoriosa, colocaria mais R$ 39 bilhões em circulação.


 


Para Anselmo Luis dos Santos, do Cesit, o salário mínimo teve aumentos reais importantes em 2005 e 2006 que, no entanto, serviram só para resgatar o poder de compra do início dos anos 80, ao contornar perdas sistemáticas ocorridas entre 83 e 93. “Isso significa que o jogo está empatado. A discussão agora deve ser a política de valorização do mínimo”, afirmou.